O IAB.DF lamenta profundamente o falecimento do arquiteto e urbanista Gunter Rolan Kohlsdorf Spiller, ocorrido nesta quarta-feria, dia 26/07/2023.
Arquiteto e urbanista premiado, foi professor da FAU.UnB com vasta e importante produção acadêmica. Seu livro o “Ensaio sobre o Desempenho Morfológico das Cidades”, em coautoria com sua esposa, Maria Elaine Kohlsdorf é uma referência. Gunter foi um incansável ativista pelo desenvolvimento da profissão, tendo doado seu tempo e conhecimento ao IAB.DF, principalmente por meio de sua atuação na Comissão de Política Urbana, e também no CAU.DF, onde foi conselheiro e coordenador de comissões. Neste momento de dor o IAB.DF se solidariza com amigos e familiares, em especial com sua esposa, a arquiteta e urbanista Maria Elaine Kohlsdorf.
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O Censo de 2022 teve seus primeiros dados divulgados no dia 28 de junho, e trouxe algumas informações sobre o panorama nacional de crescimento e também de questões habitacionais. O Distrito Federal, segundo os dados recém-publicados, tem atualmente um total de 1.172.588 domicílios, dos quais 148.846 mil encontram-se desocupados. Contrastando-se esses números aos do Censo de 2010, nota-se um aumento muito expressivo no número de domicílios não ocupados1. Em 2010, havia 80.584 imóveis na mesma situação. O último levantamento, realizado em 2022, especificou ainda a categoria de imóveis não-ocupados de uso ocasional2, que totaliza 33.779 unidades no DF. Adicionando-se esse número ao número de domicílios não ocupados, a diferença do índice em relação ao último levantamento representa que o número de imóveis vazios mais que dobrou, totalizando 182.625 mil. Ao mesmo tempo que a vacância imobiliária torna-se mais expressiva, o déficit habitacional também aumenta no DF. O conceito de déficit habitacional sustenta os indicadores que buscam estimar a falta de habitações e/ou existência de habitações em condições inadequadas como noção mais ampla de necessidades habitacionais (FJP, 2021). O levantamento mais recente do DF, cruzado com informações da Pesquisa Distrital por Amostra de Dados (PDAD), indicou um total de 102.984 domicílios. O componente de maior expressão é Ônus excessivo com aluguel – 52,10% do total; seguido da Precariedade dos domicílios – 26,84%; depois do Adensamento excessivo – 10,89%; e, por último, da Coabitação familiar – 10,16%, de acordo com dados da Seduh de 2021. Esse número de domicílios não ocupados também é superior à estimativa do Panorama Habitacional Prospectivo para o DF, realizado em 2018, pela Companhia de Planejamento do DF (CODEPLAN) que prospectou que o déficit habitacional do DF estaria entre 133 mil e 150 mil domicílios em 2025. Isso demonstra, que há imóveis suficientes na Capital Federal para suprir a demanda total por moradias – tanto quantitativa, quanto qualitativa. Os componentes qualitativos do déficit não necessariamente têm como ‘resposta’ mais adequada a criação de uma nova unidade habitacional. Muitas vezes, algumas melhorias nas construções e na infraestrutura de serviços podem configurar a adequação de uma moradia. Ainda assim, o número de domicílios vazios seria capaz de absorver todos os tipos de demanda habitacional registradas atualmente no DF. Ausência de política pública A diferença entre oferta e demanda de domicílio é representativa da desigualdade social que se intensificou na cidade no período em questão. A investigação dos padrões da produção imobiliária local entre os Censos, se feita, indicaria o descompasso entre a falta de produção de unidades habitacionais direcionados a fatia da população que não tem seu direito constitucional à moradia garantido, e ao grande número de unidades habitacionais que são direcionadas a um público consumidor que não usa seus imóveis para morar. O próprio Censo levantou o aumento de 36,88% no número de unidades habitacionais, esse número representa 317.092 novas habitações, muitas delas em regiões como Águas Claras, Noroeste e Jardim Botânico. Essas regiões não possuem o déficit habitacional tão expressivo como a Unidade de Planejamento Territorial Oeste, composta por Ceilândia, Taguatinga, Samambaia e Brazlândia, que representa 34,35% do déficit do Distrito Federal. Apesar do grande número de imóveis desocupados, nunca houve no DF, uma política pública voltada ao seu aproveitamento para Habitação de Interesse Social, apesar do debate ocorrer entre técnicos da área, acadêmicos e movimentos sociais. Não há a visibilidade desejada para essa questão, mesmo que estudos e experiências em outras grandes cidades já tenham demonstrado que a readequação de imóveis seguida da realocação populacional pode representar economia aos cofres públicos. Essa estratégia ainda ataca a falta de função social dos imóveis vazios em áreas munidas de serviços e infraestrutura urbana, bem como e permite dinamizar áreas urbanas subutilizadas. Contradições No levantamento realizado pelo Observatório Territorial do Distrito Federal, baseado em dados da CAESB, somente em 2016, 41 mil unidades habitacionais estavam com a rede de água inativa. Segundo esses dados, podemos ver uma grande contradição: o Plano, que é o destino de grande parte da força de trabalho do DF tem o maior número de imóveis desocupados, e a Ceilândia, cidade com maior déficit absoluto do DF, está logo em terceiro lugar no levantamento. Levantamento realizado pelo Observatório Territorial do Distrito Federal / Reprodução Seduh O próprio Plano Distrital de Habitação de Interesse Social cita a questão dos móveis ociosos, que podem ser objeto de aplicação dos instrumentos urbanísticos visando sua ocupação pela população de baixa renda. Um desses instrumentos é o PEUC (Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios), aplicado quando o imóvel não cumpre sua função social, é um instrumento do Estatuto da Cidade, ainda não regulamentado no Distrito Federal. Vale lembrar também que a demanda por recursos e infraestrutura como água, iluminação, esgoto e pavimentação, é muito custosa, e o Distrito Federal já enfrenta alguns problemas por conta do crescimento desordenado, relacionado diretamente aos custos e dificuldade de acesso à habitação digna. :: Leia outros textos desta coluna aqui :: * Cecília Almeida – Diretora Cultural e de Divulgação do Instituto de Arquitetos do Brasil do Distrito Federal ** Clarissa Sapori – Mestra em Planejamento Urbano. Coordenadora da Comissão de Política Urbana do Instituto de Arquitetos do Brasil do Distrito Federal. Cláudia Sales no evento “Arquitetura e feminismo: Sem começo nem fim”. Texto republicado do Coletivo Arquitetas Invisíveis
O mês de julho é marcado por 2 datas de grande relevância para a construção e debate sobre equidade, inclusão e visibilidade das mulheres no campo da arquitetura e urbanismo: o dia 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, e o dia 31 de julho, Dia Nacional da Arquiteta e Urbanista. Neste ano, a Coletiva Arquitetas (in)Visíveis, em conjunto com o IAB.DF e a Vice-Presidência Extraordinária de Ações Afirmativas do IAB, colaboraram com o Instituto Cervantes para montar a Exposição Arquitetura e Feminismo: sem começo nem fim, em Brasília. A exposição aborda o cotidiano dos espaços arquitetônicos, centralizando o ponto de vista das pessoas que tradicionalmente têm sido ignoradas e propondo alternativas mais igualitárias. Como parte da programação paralela à exposição, realizamos no dia 20 de julho uma mesa de debate sobre como habitar os espaços de forma mais sustentável, empática e justa, a partir da perspectiva feminista na arquitetura e urbanismo. O debate foi extremamente rico, contando com a participação de Semiramis González, curadora da exposição, Martha Fonseca Salinas, Collectiu Punt 6, Maribel Aliaga, observatório amar.é.linha, e Claudia Sales, conselheira federal do CAU/BR. Hoje, dando continuidade às celebrações deste mês e do Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, compartilhamos com todas, todes e todos a fala da arquiteta, urbanista e pedagoga Claudia Sales de Alcântara, que aborda a urgência de decolonizar o ensino para promover mudanças nas nossas cidades e sociedade. @claudiasalcantara ressalta a necessidade de DEcolonizar o ensino de arquitetura e urbanismo, construindo outras pedagogias e epistemes para além das dominantes, voltadas para os sujeitos subalternizados pela colonialidade, como indígenas, negros, mulheres e outros marcadores de diferença contrapostos às lógicas educativas hegemônicas, que são predominantemente masculinas e brancas. Somente assim poderemos avançar verdadeiramente. “Nossas arquitetas não cabem no ‘modulô”. Que estas reflexões inspirem a todos nós a construir um futuro mais equânime, generoso e transformador! ___________________________________________________________________ “Gênero, Raça e Planejamento de cidades”: decolonizar o ensino para mudar. Cláudia Sales de Alcântara Todas as pessoas deveriam sentir-se à vontade no espaço urbano, em qualquer lugar e a qualquer hora. O espaço urbano deveria ser democrático e as cidades seguras. O urbanismo deveria beneficiar todos, todas e todes, por intermédio de um espaço público mais inclusivo. Após décadas de cidades projetadas por e para homens, chegamos à conclusão de que o planejamento urbano não é neutro e que é preciso incluir as mulheres nele. Devemos pensar em propostas que consigam ir além de rever a má iluminação das vias, ou aumentar a vigilância, devemos pensar em como investir em estruturas urbanas inclusivas para criar espaços de convivência para que todos usufruam do direito à cidade. O CAU BRASIL tem se comprometido com a pauta da promoção da Equidade de Gênero na Arquitetura e Urbanismo por meio da Comissão Temporária de Equidade de Gênero do CAU/BR (2019), da Comissão Temporária de Política de Equidade de Gênero do CAU/BR (2020) e Comissão Temporária de Raça, Equidade e Diversidade (2021 – 22), incluindo a perspectiva das mulheres no desenvolvimento das cidades brasileiras por meio de uma nova abordagem de participação e a possibilidade de romper esses limites que definem o acesso das mulheres à cidade, tornando-as mais inclusivas e segura para todas as pessoas. Como instituições reguladoras e fiscalizadoras da profissão que moldam os espaços da moradia e do exercício da cidadania, o CAU/BR e os CAU/UF têm papel fundamental nesse contexto, pois podem esclarecer a sociedade sobre a importância do direito universal à cidade. Assim, buscam seu protagonismo como referência em planejamento e gestão democrática e inclusiva, especialmente porque mais da metade da categoria de arquitetos e urbanistas é composta por mulheres. Atender as demandas das mulheres no planejamento urbano não implica fazer uma cidade especializada unicamente para elas, excluindo o lugar e as necessidades dos outros cidadãos, mas afirmar uma perspectiva que representa uma nova abordagem de inclusão, do olhar, da opinião, da percepção e da contribuição das mulheres na construção da cidade contemporânea, trazendo uma nova dimensão ao desenvolvimento da cidade e da sociedade. Pensar as cidades a partir das necessidades de uso das mulheres é refletir sobre a infraestrutura do espaço urbano para responder às atividades do cotidiano também delas. Porém, quero trazer aqui mais uma camada interseccional para ser trabalhada com a questão de gênero, que é a questão racial. Isso porque ainda hoje no Brasil, as mulheres negras são quem protagonizam os piores indicadores sociais. As vivências de mulheres pretas são distintas das de mulheres brancas. Para nós, mulheres pretas, as experiências individuais e coletivas que nos movem são derivadas do enfrentamento diário pela sobrevivência em um ambiente estruturalmente racista, fruto de uma herança escravocrata que ainda não foi encarada como se deveria. A socióloga Ednéia Gonçalves elucida essa questão quando diz que:
Diante do exposto, quero concentrar minha fala colocando a necessidade de se trabalhar a questão de cidade gênero, numa perspectiva de justiça racial que nos permita a oportunidade de desconstruir estruturas que contribua para uma série de violações de direitos e nos permita obter uma compreensão mais profunda de como as estruturas racistas e patriarcais que se sobrepõem e que precisam ser debatidas e solucionadas. Entendo que essa questão envolve fundamentalmente a nossa formação para o exercício profissional. Se não fizermos uma revisão nos nossos currículos, um giro decolonial na nossa formação, não sairemos do canto, não conseguiremos construir as respostas que de fato são necessárias para esse contexto. A autora Thais Luzia Colaço utiliza o termo “decolonial”, suprimindo o “s” para marcar uma distinção com o significado de descolonizar em seu sentido clássico. Deste modo quer salientar que a intenção não é desfazer o colonial ou revertê-lo, ou seja, superar o momento colonial pelo momento pós-colonial. A intenção é provocar um posicionamento contínuo de transgredir e insurgir. O decolonial implica, portanto, uma luta contínua”. Indica uma superação do colonialismo — o qual é a base do patriarcado e o racismo; por seu turno, a ideia de decolonialidade indica exatamente o oposto e visa transcender a colonialidade. Precisamos DEcolonizar o ensino de arquitetura e urbanismo, construindo outras pedagogias e epistemes para além da hegemônica, a partir dos sujeitos subalternizados pela colonialidade, como indígenas, negros, mulheres e outros marcadores das diferenças contrapostas às lógicas educativas hegemônicas, que são masculinas e brancas. Só assim conseguiremos avançar. Os teóricos que estudamos são em sua maioria, ainda hoje, eurocêntricos e estadunidenses, não nos aprofundamos na produção de conhecimento latino-americana, voltada para América Latina, e por esse motivo, acabamos reproduzindo um conhecimento filosófico, metafísico, eclesiástico, arquitetônico, formado nesses países de centro, que não possui conexão com nossa realidade social e cultural. O que a gente faz é tentar de alguma maneira aplicar esses conhecimentos a nossa realidade, o que não funciona, fazendo com que as coisas feitas aqui pareçam ser muito distantes daquele ideal hegemônico. Logo, a nossa produção passa a ser vista como algo menor, como uma coisa que não conseguiu chegar lá, capenga e “tupiniquim”. Os cursos de Arquitetura e do Urbanismo no Brasil, tentando se inserir na linha histórica dos países europeus, valorizaram desde o seu nascedouro a seleção e organização do conhecimento produzidos nesses países de centro, como fundamento para a formação dos profissionais brasileiros. Esses conhecimentos foram distribuídos em, pelo menos, quatro principais eixos — teoria, história, projeto (arquitetura, urbanismo e patrimônio) e tecnologia — que se estruturam quase que de forma autônoma e independente, com pouca articulação e transversalidade e interdisciplinaridade. E isso por si só já é um prejuízo! Porque se tem um processo formativo fragmentado, na lógica do processo industrial (fabril), capitalista e colonial, onde se acredita que na junção das partes, forma-se o todo. E a gente já sabe, que, na prática, não funciona desta forma… Adotando o paradigma Moderno de fazer ciência — modelo esse eurocêntrico, dos países históricos (Flüsser) — impomos nas nossas escolas um pensamento cartesiano e positivista de enxergar a cidade e o edifício, simplificando problemas complexos, construindo de forma instrumental, linear e sucessiva o conhecimento. Então, a temática DA DECOLONIZAÇÃO DO ENSINO DE ARQUITETURA é uma temática que me obriga a falar desse projeto de modernidade, que continua presente nos cursos, numa lógica opressora para mulheres, pretos, povos originários, PCDs, etc. E me convida a pensar e construir paradigmas que rompam com essa produção de conhecimento de episteme eurocêntrica. E isso é muito difícil, porque ninguém quer fazer uma imersão em si: dá trabalho, mexe com problemas e feridas que não queremos lembrar e revisitar, nos obriga a rever e criticar o que já foi hegemonicamente colocado para nós, como se não nos houvesse outra opção, de forma “naturalizada”, numa espécie de violência simbólica onde nós, não percebendo essa violência que nos foi e é imputada, acabamos criando mecanismos de manutenção e reprodução dessa violência (Bourdieu). É o que Cida Bento chama de pacto da branquitude. Na arquitetura, mais especificamente, esse pensamento estruturado no modo cartesiano e positivista de enxergar a realidade, chega no seu expoente máximo no MODERNISMO, estabelecendo uma maneira de enxergar e projetar o objeto arquitetônico e a cidade. E nós, adotamos, sem sermos modernos, e sem passarmos pela revolução industrial, pelos mesmos problemas de ordem econômica-social que desembocou no modernismo europeu, esse paradigma como estruturante epistemológica das nossas escolas, e consequentemente em nossas cidades, desconsiderando nosso próprio processo histórico, marcado por diversas violências de gênero e raça. Por que estou dizendo tudo isso? Porque se quisermos habitar os espaços de forma mais sustentável, igualitária e justa, o nosso tema deve ser primeiro a DECOLONIZAÇÃO do campo da arquitetura e urbanismo. Porque a supervalorização do moderno, ainda tão presente nas escolas de arquitetura e urbanismo, gera pelo menos três problemas centrais, impeditivos para se construir espaços mais empáticos, uma profissão mais inclusiva e uma sociedade mais equânime a partir da arquitetura e urbanismo, são eles: o discurso, o projeto e o conteúdo das nossas escolas. O primeiro é o discurso, a falsa ideia que a verdadeira arquitetura brasileira foi aquela produzida durante o movimento moderno, numa tentativa “purista” e higienista, de se inserir na história da arquitetura “mundial”. Qual é o prejuízo desse tipo de supervalorização?: é que, se o modernismo brasileiro é a nossa arquitetura que “deu certo”, que nos projetou internacionalmente (aquela — falsa — sensação de que nos inserimos na linha histórica dos países de centro), então todos os estudantes querem copiar esse paradigma! Porque é mais seguro “colar” em algo que deu certo. E como prejuízo da supervalorização desse discurso, temos projetos que muitas vezes só contribuem para a manutenção e reprodução de uma arquitetura cartesiana e objetiva, distante da área criativa da complexidade da sociedade, que não cabe num “modulô”. O segundo problema está na maneira de fazer projeto que esse paradigma imprimiu e reproduzimos em muitas das nossas escolas. Já sabemos disso, mas falarei novamente, para os modernistas a forma do objeto arquitetônico deveria seguir a função. Portanto, a forma surge da articulação de atividades resolvidas em planta-baixa (elemento gerador do projeto). Frases clássicas como a de Le Corbusier — A Casa é uma Máquina de Morar — e a de Mies Van der Rohe — Menos é Mais — exaltavam os quesitos funcionais do projeto e ganharam o mundo, principalmente depois da segunda grande guerra. Iniciamos, geralmente, pela planta-baixa, depois eleva-se os cortes e fachadas. Essa forma de projetar faz com que o estudante não consiga ter uma visão geral (total), mais complexa do objeto, pois, sempre trabalha por partes, de forma fragmentada. Isso gera problemas não só de representação e de projeto, mas, problemas na maneira de ler a realidade, de ler o projeto, de ler o edifício, ler a cidade. Falta de conexão com as demais disciplinas, principalmente as de história. Esse modo de fazer projeto, fruto dessa racionalidade técnica eurocêntrica, centrada no olho, nada tem a ver com nossa cultura latino-americana, repleta de gestos, sentidos, excessos e mestiçagens. Para nós deveria ser “Mais é mais e menos é um tédio” (Iris Barrel), como sonhava Ariano Suassuna em seu manifesto Armorial:
O terceiro problema é que esse paradigma faz uma demarcação daquilo que deve ser estudado com uma certa importância e aquilo que deve ser deixado de lado, ele seleciona os conteúdos, ele fragmenta e diz aquilo que é importante e aquilo que é secundário, aquilo que é arte e aquilo que não é, aquilo que é arquitetura e aquilo que não deve ser. Supervaloriza os conhecimentos dos países históricos, e despreza e invisibiliza os saberes populares e conhecimentos dos demais contextos e culturas (demarcação de poder). E isso gera GRANDE PROBLEMA: o fato de eu eleger uma arquitetura como hegemônica, faz com que eu perceba com que toda a outra produção, ela seja colocada como uma categoria a parte, menor ou invisibilizada. É uma arquitetura e um urbanismo menor, que não precisa ser visto, não precisa ser visitado, não precisa ser analisada e protegida. Nós não estudamos a América Latina e sim a Europa. Não conhecemos as contribuições incas, maias, tupis, mas estudamos a Grécia Antiga e sabemos distinguir uma coluna dórica, jônica e coríntios! Vocês já se perguntaram a quem isso interessa? Nos aprofundamos nas obras dos “grandes” arquitetos do modernismo mundial e brasileiro, mas quando olhamos a cidade, o que a gente tem, não é exatamente esse exemplar. O que está sendo produzido são outras coisas: mestiças, ecléticas, femininas e barrocas. Fruto de uma série de fatores, que nós não estudamos nas escolas de arquitetura, e aí a gente se frustra! As escolas de arquitetura invisibilizam essa produção mestiça, marcada pela presença de negros, pardos, indígenas e mulheres, a produção feita a partir da diversidade de culturas e dos problemas do dia a dia; para supervalorizar uma produção que se assemelhe com a produção hegemônica dita “pura” e intelectualizada, o que supostamente nos levaria a um “reconhecimento e validação” dos países de centro. Habitar os espaços de forma mais sustentável, igualitária e justa, só será possível quando conseguirmos mudar nosso modo de estruturar os cursos de arquitetura e urbanismo, quando tivermos realmente dispostos a decolonizar e assumir nossa condição latino-americana. Eu ainda não sei como fazer isso, mas sei que um primeiro passo é trazer o tema para discutirmos nas universidades, entidades e conselho profissional, acreditando que outros caminhos também são possíveis. Como dizia Paulo Freire: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. “Mudar é difícil, mas é possível”. Dia 25 de Julho. Viver o Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha é relembrar a grande questão social brasileira a ser enfrentada.
São elas as principais impactadas pelas políticas de austeridade, pela ausência de políticas públicas e pelos descompassos da precarização urbana no país. O enfrentamento diário ao machismo e racismo torna o espaço urbano ainda mais desafiador, e nos faz questionar: em que momento nossas cidades se atentarão às políticas de enfrentamento, tanto para a violência racial quanto de gênero? Essa violência contra a mulher racializada no Brasil, assim como nos países advindos de processos históricos de colonização, corroboram para uma visão hiperssexualizada, de silenciamento das suas histórias e de subalternização deste corpo feminino em evidência (GONZALEZ, 1992). No Brasil, elas são maioria, representando quase 23,4% da população brasileira. No DF, também se apresentam como maior parcela da população, chegando a quase 28,7% dos habitantes. (PDAD, 2021), Em Brasília (IPE DF, 2021), mulheres negras são maioria nos deslocamentos, representando 35,5% do andar a pé no DF. E que cidade se apresenta durante esses percursos? Como estão os espaços públicos, a infraestrutura e uma perspectiva de morar dignamente nos núcleos urbanos, periféricos e centrais? Veja também a coluna do IAB no Jornal Brasil de Fato DF: Brasília, por que ignora sua segregação escancarada? Pensando na mulher negra como maior parte do contingente feminino racializado no espaço, o Brasil tem um contraste agravante entre as condições sociais de mulheres negras e mulheres brancas no país. Em 2023, a violência contra mulheres chegou a números alarmantes, onde a cada 11 vítimas de feminicídio, 7 são negras, segundo os dados da Anistia Internacional (2023). Quando observamos as condições socioeconômicas, as reflexões de desigualdade e da feminização da pobreza também nos mostram um longo caminho a se enfrentar: mulheres negras têm uma menor participação em trabalhos com carteira assinada e os menores índices de ocupação em cargos de chefia (IBGE, 2022). Segundo os dados do 1° diagnóstico de Gênero elaborado em 2019 pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/BR), as mulheres negras arquitetas representam a maior taxa de desemprego na carreira (44%), o que não provoca espanto ao analisarmos os dados sociais de nossa população. Inclusive, a invisibilidade de mulheres indígenas nas estatísticas também demonstra a incipiência de dados sobre as suas formas de vida, e se reflete também como um dado, pensando a ausência de informações das suas atuações, tanto no nosso campo de trabalho quanto como precursoras da vida, dentro e fora de nossas cidades. Uma cidade universal, feita para todas, todes e todos, não deveria significar a sua homogeneização. Nos aspectos do planejamento urbano, a condição feminina, afrolatinoamericana, índigena e caribenha, ainda é conhecida comumente nas condições da precarização. Porém, suas vivências, histórias e existências perpassam essas condições e são a chave da libertação de uma representação redutível, que não condicione-as à mera imagem de violência, subserviência ou pobreza. Além da representação desses dados, uma descentralização do planejamento urbano deve ser o foco para os próximos anos, condizente às demandas na arquitetura e na cidade. É crucial o comprometimento de se realizar novas abordagens da teoria e prática, onde o campo da arquitetura e do urbanismo enfrente os antecedentes colonizadores (ainda presentes) e aborde a visão das mulheres racializadas, negras, indígenas e afrodiaspóricas como dimensões analíticas, referências no espaço. Texto: Raquel Freire Revisão: Luiza Dias Coelho Peças de comunicação: Cecília Almeida Comissão Extraordinária de equidade de gênero e raça Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamento do Distrito Federal Referências: GONZALEZ, Lélia. Por uma categoria político-cultural de Amefricanidade. 1992. Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa Econômica Distrito Federal (IPE DF). Retratos Sociais 2021 de Pessoas Negras. Brasília: 2021. Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio (PDAD). Brasília: CODEPLAN, 2021. Primeiro encontro da Comissão de Política Urbana do IAB DF 2023Ocorreu, no dia 22 de Abril de 2023 a primeira atividade pública da Comissão de Política Urbana do IAB.DF. Intitulado O lugar das Periferias na Política Urbana do DF, o evento aconteceu no espaço Jovem de Expressão, na Ceilândia, que foi parceiro na organização. A Política Urbana afeta todas as pessoas que vivem e ocupam as cidades, porém de formas muito desiguais. A quantidade de investimentos para melhorias urbanas diminuem à medida que nos aproximamos das periferias. Ao mesmo tempo, nas Periferias habitam pessoas potentes e criativas que promovem soluções às questões urbanas cotidianas, mas sem a visibilidade e os recursos necessários. Para debater esse tema, convidamos profissionais com diferentes bagagens e vivências. Participaram: o artista visual Gu da Cei, o arquiteto do Ministério das Cidades Flávio Tavares, o professor Orlando Nunes e a pesquisadora, ativista e assessora parlamentar Geysa Costa. Após o debate, houve uma vivência por Ceilândia e Sol Nascente, visitando áreas urbanizadas por meio de processos participativos e os blocos habitacionais cujos projetos foram escolhidos por concursos públicos nacionais de projeto. O próximo encontro da CPU com vivência pelo território do DF foi realizado na cidade de São Sebastião e estará no nosso próximo informe. Confira nossas redes! Caravana das Periferias[Representantes do IAB-DF, Movimento Supernova, Brigadas Populares, Sebas Turística, Agência Sebastianas, Controladoria Geral da União, Ministério das Cidades, Ministério do Desenvolvimento Regional, Ministério dos Direitos Humanos e Gabinete Aba Reta (Max Maciel) juntos debatendo a Periferia Viva.] O IAB.DF marcou presença no evento promovido pela Secretaria das Periferias, do Ministério da Cidade, no dia 27 de abril. Com o objetivo de mapear todo tipo de iniciativa que promove direitos e manifestações da população das quebradas brasileiras, o Secretário Guilherme Simões visitou as Regiões Administrativas de São Sebastião, Sol Nascente e Ceilândia e esteve em contato com articuladores de movimentos sociais variados nesses territórios. O IAB.DF acompanhou as visitas e expressou o interesse da Comissão de Política Urbana da atual gestão de aproximar arquitetos e urbanistas dos movimentos sociais que atuam nos territórios com temas pertencentes ou transversais à Política Urbana. Coluna do IAB.DF no Brasil de FatoCom uma reflexão sobre os 63 anos da nova capital o IAB.DF inaugurou sua coluna no jornal Brasil de Fato DF. ‘’Brasília, por que ignora sua segregação escancarada?’’ é o artigo de autoria compartilhada com: Raquel Freire, arquiteta urbanista, conselheira superior e coordenadora da Comissão Extraordinária de Equidade de Gênero e Raça; André Tavares, arquiteto urbanista e coordenador especial das Comissões e Articulação Política do Instituto dos Arquitetos do Brasil/núcleo DF (IAB/DF) e Guilherme Oliveira Lemos, doutor em História pela Universidade de Brasília. A parceria IAB.DF e Brasil de Fato DF começou bem! A coluna foi a mais acessada no mês do aniversário de Brasília. A salvaguarda de acervos de arquitetura foram tema de eventos no Rio de Janeiro e Brasília[3º Ciclo de Palestras - A obra de Eduardo Souto de Moura, Paço Imperial do Rio de Janeiro, 19 de abril. Foto: Sandra Branco.] O presidente do IAB.DF e Diretor Nacional de Cultura do IAB, Luiz Eduardo Sarmento, participou de dois eventos do Ciclo de Debates sobre a Obras do Arquiteto Souto de Moura. Os debates aconteceram como complementação da Exposição sobre a obra do arquiteto português montada no Paço Imperial do Rio de Janeiro, importante centro cultural do Iphan. No Rio, em 19 de abril, proferiu a palestra “Construir com o tempo”, analisando obras de intervenção em patrimônio histórico projetadas por Souto de Moura. Em sua fala o presidente destacou a importância da preservação dos acervos de arquitetura e a urgente necessidade criar uma instituição de guarda e outras ações para evitar a evasão de acervos do Brasil e garantir seu acesso ao público. Ressaltou a importância da realização da exposição de Souto de Moura no Brasil, ao mesmo tempo que chamou atenção do público para a quase total ausência de exposições de arquitetura no país fruto, em grande parte, da ausência da arquitetura no Plano Nacional de Cultura e a falta de fomento a este tipo de projetos. Na Embaixada de Portugal em Brasília, em 25 de maio, o arquiteto mediu a mesa Desafios dos tratamento de acervos, em que foram apresentadas boas práticas na preservação e difusão de acervos de arquitetura. Participaram da mesa Raquel Schenkman, presidente do IAB.SP, Márcia Elizabeth Martins, do Centro de Memória do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul e, por vídeo, Nuno Sampaio, da Casa de Arquitectura de Matosinhos. Presidente do CAU.BR, Nádia Someck; Ana Flávia Magalhães, Diretora-Geral do Arquivo Nacional; Alexandra Pinho, Diretora do Camões - CCP Brasília; Danilo Matoso, representante do Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro, Cecília Sá, subsecretária de equipamentos culturais do Minc e Luiz Eduardo Sarmento, presidente do IAB.DF em evento na Embaixada de Portugal em Brasília. Novamente o presidente do IAB.DF aproveitou sua fala no sentido de defender a criação de um Museu de Arquitetura e Urbanismo em Brasília para receber os diversos acervos de arquitetura, hoje sem acesso público e muitos em risco. Sarmento ressaltou também a importância da participação nas conferências preparatórias para a Conferência Nacional de Cultura, local de construção coletiva onde o tema pode ser tratado com outros agentes sociais. IAB em defesa de um DF mais justo O IAB.DF possui diversas representações em instâncias de participação social na administração pública. Uma delas é o Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal (Conplan), no qual o Instituto possui atuação histórica e combativa em defesa do direito à cidade, da justiça fundiária, do meio ambiente e da preservação do patrimônio cultural edificado. Alinhado a sua trajetória atuante, a atual representação do IAB-DF desempenhou papel ativo no debate da proposta de Projeto de Lei Complementar (PLC) de Parcelamento do Solo Urbano no Conplan, apontando uma série de vícios no rito de elaboração e apresentação da proposta ao Conselho, bem como questionando o GDF sobre pontos do projeto de lei que representam riscos ao preceito da função social da cidade e da propriedade urbana. A insistência do governo em promover uma aprovação expressa da matéria levou a um pedido de vistas do processo em apreciação, iniciativa acompanhada pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal - CAU-DF. A partir do pedido de vistas, IAB.DF e CAU.DF promoveram reuniões técnicas e um debate público na sede do Conselho, como forma de ampliar a discussão sobre o PLC, bem como apresentaram um parecer registrando todas as questões problemáticas da proposta. Apesar disso, o PLC foi aprovado no Conplan. A atual gestão do IAB-DF busca, agora, junto a outras instâncias, alternativas para que seja garantida a participação social na elaboração da nova lei, bem como para impedir que dispositivos contrários ao interesse público componham o texto legislativo da proposta. Organizando a casa Como primeira ação da gestão IAB.DF 2023-2025 foi definida uma reorganização expedita dos espaços do IAB em Brasília, visando garantir um maior acesso aos associados e melhores condições de trabalho para as equipes que atuam nos projetos e propósitos do IAB no DF. O escritório do IAB.DF, localizado na sala 206 do Edifício Oscar Niemeyer, importante obra de Oscar em Brasília, agora conta com espaços de reuniões, biblioteca e espaço reservado para a guarda do acervo histórico documental do IAB. Associados podem solicitar utilização do espaço para reuniões, pesquisas e trabalhos por meio do e-mail [email protected]. Venha nos fazer uma visita! Arquiteta IAB.DF do Ano 2022[Luiza Coelho recebendo seu certificado da Presidente do IAB, Maria Elisa Baptista;] A arquiteta e urbanista Luiza Dias Coelho é a arquiteta do ano de 2022, um reconhecimento do IAB.DF por sua atuação em defesa da arquitetura e urbanismo e seu desenvolvimento. Seu nome foi escolhido por unanimidade pelo Conselho Diretor do IAB.DF graças à dedicação que Luiza tem destinado às ações do IAB, com destaque aos projetos de memória, na luta pela equidade de gênero e diversidade nas instâncias de política da categoria profissional e no desprendido trabalho que desempenha há anos em atividades administrativas e de gestão do IAB em nível Distrital e Federal. Luiza Dias Coelho é formada pela FAU-UnB. É Conselheira Superior do IAB.DF, onde foi propositora e Coordenadora da Comissão de Equidade De Gênero e Raça, além de assessorar a Comissão Administrativa e Financeira. Em 2020, foi responsável pelo regulamento de criação da Ouvidoria da IAB.DF, iniciativa adotada por unanimidade em assembleia do departamento. Na direção nacional do instituto é cocoordenadora da Comissão de Equidade de Gênero – Rosa Kliass e Vice-presidente Extraordinária de Ações Afirmativas, estabelecendo diversas parceiras e projetos de promoção da equidade e inclusão na Arquitetura e Urbanismo. Foi coordenadora adjunta do Concurso Público de Projeto de Arquitetura e Expografia para o Pavilhão da Brasil na Expo Osaka 2025. Em 2022, trabalhou como arquiteta e produtora no Camões – Centro Cultural Português em Brasília, vinculado a Embaixada de Portugal, onde pode compor a produção executiva do Pavilhão de Portugal na 26ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Cofundadora da Coletiva Arquitetas (in)Visíveis (2014), integrante da equipe editorial da Revista Arquitetas Invisíveis desde 2015. Cofundadora e pesquisadora no Observatório Amar.é.linha, grupo de pesquisa de feminista em arquitetura e urbanismo. Cursou um ano de arquitetura no Instituto de Tecnologia de Illinois em Chicago, EUA, pelo programa Ciências sem Fronteiras. Atua como arquiteta em projetos culturais e expográficos. Apoie o IAB O IAB é uma entidade de livre associação, sem fins lucrativos e que só existe graças ao trabalho voluntário de seus dirigentes e parceiros e recursos dos associados e apoiadores.
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Em nova iniciativa, o IAB.DF passará a enviar informes com algumas das atividades desenvolvidas pelos membros da gestão. Assim, temos uma comunicação mais clara e assertiva com nossos associados e interessados nas nossas ações! Além do recebimento em primeira mão pelos assinantes da nossa lista de email, os informes estarão disponíveis no nosso site e instagram. Caso seja associado, o informe vai automaticamente pra você, caso queira passar a receber nossas comunicações, é só preencher o formulário (link também nos stories): https://forms.gle/P9ZbWpambjvfDvud6 |
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