Informamos que o presidente do IAB/DF, arquiteto Luiz Eduardo Sarmento, encontra-se afastado temporariamente de suas atividades desde 21 de outubro de 2024, rem razão da necessidade de se dedicar, por breve período, em atividades de capacitação profissional. Conforme definição do Conselho Diretor do IAB, a conselheira superior Luiza Dias Coelho e o diretor técnico e administrativo Leonardo Sá assumem interinamente a presidência. A retomada das atividades de Luiz está prevista para 23 de dezembro.
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Contribuição do IAB DF aos debates dos eventos sobre o QUITANDINHA +60 No ano em que se comemoram os 60 anos do Seminário de Habitação e Reforma Urbana (s.HRu), o Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamento do Distrito Federal (IAB.DF) oferece aos participantes do evento este registro dos debates ocorridos em 1963. O evento idealizado pelo IAB e organizado conjuntamente com o IPASE (Instituto de Previdência e Aposentadoria dos Servidores do Estado) ocorreu em três cidades, na sede do IAB em São Paulo, no Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, e, em seguida, no Hotel Quitandinha em Petrópolis, o que fez esse importante encontro ficar conhecido como Seminário de Quitandinha. O material que ora apresentamos foi publicado na Edição de Nº 15 da ARQUITETURA, “órgão oficial do Instituto de Arquitetos do Brasil”, de setembro de 1963. ARQUITETURA era a revista cultural do IAB que circulou nacionalmente de agosto de 1961 a dezembro de 1968, que não apenas publicava projetos e obras arquitetônicas e urbanísticas relevantes do Brasil e do Mundo, como também era espaço de promoção do design moderno, das artes visuais, cinema e literatura, além de teses e conceitos sobre os principais problemas e soluções para os espaços construídos. Lançada em um momento de enorme esperança para brasileiros e brasileiras, a revista saiu de circulação quando a Ditadura Militar mostrou seu lado mais repressor. Anteriormente à publicação do “Documento Final do Seminário”, houve um enorme esforço do IAB, por meio de sua revista, em fazer circular opiniões sobre os problemas mais urgentes das cidades brasileiras. Temas como a importância dos planos diretores, a relação de saúde com habitação adequada e o problema do déficit quantitativo e qualitativo habitacional no Brasil estamparam as páginas de diversas edições da publicação, fomentando um pensamento crítico e colocando o tema na ordem do dia, ao menos entre as/os profissionais de arquitetura e urbanismo. O propósito do s.HRu foi elaborar “um programa de atividades com o objetivo de conseguir do Governo as medidas indispensáveis para enfrentar o problema da habitação e do planejamento dos aglomerados humanos brasileiros”, conforme artigo publicado na edição da ARQUITETURA, de junho de 1963, que ressaltava: “esta atividade do IAB tem sido traduzida pela ação junto ao Poder Público e pelo esclarecimento da população”, visando encontrar uma solução global para a questão dos “problemas de planejamento urbano e de habitação”. Por meio da republicação desses documentos históricos, pretendemos que, com um olhar atento à nossas conquistas do passado, frutos de enorme esforço coletivo, possamos novamente nos colocar como instrumentos de construção do futuro, de políticas públicas adequadas e baseadas em conhecimentos técnicos e participação social. Também almejamos formular soluções para os problemas que existiam em 1963 e que hoje estão ainda mais graves. Ressaltamos que a relevância do s.HRu e seu impacto nas políticas públicas e na transformação das condições de vida da população - apesar da ditadura que golpeou violentamente o sonho da moradia digna e da reforma urbana - só foi possível graças a um exaustivo trabalho coletivo de elaboração de propostas e da articulação com o poder público, que incluía a participação direta da Presidência da República, no governo João Goulart, no contexto das Reformas de Base. A partir do Seminário, os conceitos de reforma urbana e de moradia digna passaram a fazer parte do léxico de quem luta por cidades justas e pelo direito ao habitat adequado e, posteriormente, das políticas públicas. Neste momento de reconstrução do país e de suas instituições, o IAB.DF deseja a todas e todos um excelente Seminário. Que todos os coletivos, entidades, instituições de ensino e movimentos sociais aqui reunidos para discutir O Povo, Sua Casa, Sua Cidade, consigam não apenas aprofundar as análises sobre os problemas urbanos brasileiros, mas também propor soluções adequadas para enfrentar um mundo ainda mais desigual, violento e em acelerado colapso ambiental. Que as estratégias e propostas de 1963 nos inspirem! Um outro mundo é possível! Brasília, 21 de outubro de 2023. Luiz Eduardo Sarmento Presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil Departamento do DF A preservação é inerente à vida, uma vez nascidos procuramos a longevidade. É similar no trato do patrimônio cultural. Preservar (praeservare, observar previamente), é o preceito mais genérico dos compromissos relativos ao direito à memória. Acolhe todas as ações que visam conservar o patrimônio cultural, ou sejam: identificação, proteção, conservação, restauração, manutenção e revitalização. O conceito mesmo do patrimônio cultural inclui a preservação como pressuposto. E esta se realiza no campo ou no espaço intermédio entre duas razões: A transformação e a conservação.
Preservar é não desperdiçar. Se incorporássemos socialmente como critério que preservar é não desperdiçar, tudo seria menos complicado. Preservação cultural, ou do patrimônio cultural exige uma boa compreensão do que é a cultura humana. Cultura é o caldo abrangente que envolve as relações humanas no espaço e no tempo. É a história e o futuro reconstruindo-se. É a evolução humana inexorável, vá para onde for, como um cometa que, em sua trajetória, perde e agrega matéria e energia. Nesses termos, significa a própria civilização humana em perspectivas histórica e espacial. Assim sendo e desde uma visão antropológica, é o patrimônio das gentes, que inclui o das pessoas. É, portanto, composto por todas os tipos que alcançam força simbólica e referencial, materiais e imateriais, sejam naturais ou produzidos total ou parcialmente pela humanidade. Aí vem as questões mais práticas, operacionais – como preservar? Há dois caminhos importantes: Proteger (tombar) e conservar. Proteger é complexo. Mas conservar é que é danado de difícil. Proteger exige compromissos legais e sociais combinados. Conservar exige comprometimento de apego, tempo, recursos humanos e econômicos, vontade política dos entes públicos, meios de financiamento e gestão de conflitos com a equivalente necessidade de renovar e criar. É preciso entender que o conhecimento cultural se opõe aos sofrimentos inerentes à vida e nunca foi e jamais será ameaça e causa de sofrimento e destruição – a não ser por licença poética. A preservação cultural inclui também a memória dos sofrimentos (a Guerra de Canudos, por exemplo) justamente para lembrarmos e aprendermos com nossos erros, com maior senso e condição para as sociedades civilizadas. Mesmo em situações nas quais a tecnologia pode aparelhar a destruição (instrumentos de guerra, por exemplo), tais situações são desvios da vocação do conhecimento em amplitude cultural – o bem estar – na verdade um freio às ações destrutivas. O uso impensado, rotulador e corriqueiro de comunista à toda forma de racionalidade inteligente é um desvio de foco para ocultar a realidade simplista dos modos mafiosos e falso-religiosos. Isso nos aproxima perigosamente do caos social, da dissolução do Estado e dos meios de governança republicana. Nesse cenário, instituições como o IPHAN terão grandes dificuldades de cumprir sua missão. Esperamos uma gestão democrática e plural do IPHAN, proporcional ao dispêndio de energia da sociedade civil em suas manifestações nos últimos anos, em especial entre as entidades com vínculos ativos no tema da preservação cultural. Reconhecemos que o IPHAN é autoritário por definição legal. E quem não é se for para cuidar? Nesse sentido e para que o IPHAN volte a cumprir seu papel essencial – preservar e fazer preservar o Patrimônio Cultural – deve evoluir e favorecer a gestão distribuída nos locais onde se dão os embates, reduzir a tradicional gestão centralista. De todo modo, aos 85 anos, o IPHAN é reconhecido por sua competência e resiliência, totalmente voltada à preservação da memória cultural brasileira. Se superadas as dificuldades políticas e o processo corrosivo recente, poderemos enfrentar com mais efetividade os problemas naturais das ações de proteção e conservação. Inclusive pelo enfrentamento de vontades opostas, nem sempre na plenitude democrática e republicana. Reitere-se, os trabalhadores da cultura, fazedores, produtores, servidores públicos e agregados, em sua maioria têm sido resilientes na defesa possível do patrimônio e das estruturas institucionais. A sociedade brasileira e, em particular, sua inteligência, de muitos modos e cores é amplamente empática à preservação da memória cultural, afinal se trata de auto-preservação. Já passamos por muitos momentos críticos, tanto de debilidade de meios como de agressões de gestores e legisladores. Todos temos a percepção de que a memória cultural – ethos – é nossa consistênca e sobrevivência social. Resistiremos! José Leme Galvão Junior – Conselho Superior do IAB ![]() O Censo de 2022 teve seus primeiros dados divulgados no dia 28 de junho, e trouxe algumas informações sobre o panorama nacional de crescimento e também de questões habitacionais. O Distrito Federal, segundo os dados recém-publicados, tem atualmente um total de 1.172.588 domicílios, dos quais 148.846 mil encontram-se desocupados. Contrastando-se esses números aos do Censo de 2010, nota-se um aumento muito expressivo no número de domicílios não ocupados1. Em 2010, havia 80.584 imóveis na mesma situação. O último levantamento, realizado em 2022, especificou ainda a categoria de imóveis não-ocupados de uso ocasional2, que totaliza 33.779 unidades no DF. Adicionando-se esse número ao número de domicílios não ocupados, a diferença do índice em relação ao último levantamento representa que o número de imóveis vazios mais que dobrou, totalizando 182.625 mil. Ao mesmo tempo que a vacância imobiliária torna-se mais expressiva, o déficit habitacional também aumenta no DF. O conceito de déficit habitacional sustenta os indicadores que buscam estimar a falta de habitações e/ou existência de habitações em condições inadequadas como noção mais ampla de necessidades habitacionais (FJP, 2021). O levantamento mais recente do DF, cruzado com informações da Pesquisa Distrital por Amostra de Dados (PDAD), indicou um total de 102.984 domicílios. O componente de maior expressão é Ônus excessivo com aluguel – 52,10% do total; seguido da Precariedade dos domicílios – 26,84%; depois do Adensamento excessivo – 10,89%; e, por último, da Coabitação familiar – 10,16%, de acordo com dados da Seduh de 2021. Esse número de domicílios não ocupados também é superior à estimativa do Panorama Habitacional Prospectivo para o DF, realizado em 2018, pela Companhia de Planejamento do DF (CODEPLAN) que prospectou que o déficit habitacional do DF estaria entre 133 mil e 150 mil domicílios em 2025. Isso demonstra, que há imóveis suficientes na Capital Federal para suprir a demanda total por moradias – tanto quantitativa, quanto qualitativa. Os componentes qualitativos do déficit não necessariamente têm como ‘resposta’ mais adequada a criação de uma nova unidade habitacional. Muitas vezes, algumas melhorias nas construções e na infraestrutura de serviços podem configurar a adequação de uma moradia. Ainda assim, o número de domicílios vazios seria capaz de absorver todos os tipos de demanda habitacional registradas atualmente no DF. Ausência de política pública A diferença entre oferta e demanda de domicílio é representativa da desigualdade social que se intensificou na cidade no período em questão. A investigação dos padrões da produção imobiliária local entre os Censos, se feita, indicaria o descompasso entre a falta de produção de unidades habitacionais direcionados a fatia da população que não tem seu direito constitucional à moradia garantido, e ao grande número de unidades habitacionais que são direcionadas a um público consumidor que não usa seus imóveis para morar. O próprio Censo levantou o aumento de 36,88% no número de unidades habitacionais, esse número representa 317.092 novas habitações, muitas delas em regiões como Águas Claras, Noroeste e Jardim Botânico. Essas regiões não possuem o déficit habitacional tão expressivo como a Unidade de Planejamento Territorial Oeste, composta por Ceilândia, Taguatinga, Samambaia e Brazlândia, que representa 34,35% do déficit do Distrito Federal. Apesar do grande número de imóveis desocupados, nunca houve no DF, uma política pública voltada ao seu aproveitamento para Habitação de Interesse Social, apesar do debate ocorrer entre técnicos da área, acadêmicos e movimentos sociais. Não há a visibilidade desejada para essa questão, mesmo que estudos e experiências em outras grandes cidades já tenham demonstrado que a readequação de imóveis seguida da realocação populacional pode representar economia aos cofres públicos. Essa estratégia ainda ataca a falta de função social dos imóveis vazios em áreas munidas de serviços e infraestrutura urbana, bem como e permite dinamizar áreas urbanas subutilizadas. Contradições No levantamento realizado pelo Observatório Territorial do Distrito Federal, baseado em dados da CAESB, somente em 2016, 41 mil unidades habitacionais estavam com a rede de água inativa. Segundo esses dados, podemos ver uma grande contradição: o Plano, que é o destino de grande parte da força de trabalho do DF tem o maior número de imóveis desocupados, e a Ceilândia, cidade com maior déficit absoluto do DF, está logo em terceiro lugar no levantamento. Levantamento realizado pelo Observatório Territorial do Distrito Federal / Reprodução Seduh O próprio Plano Distrital de Habitação de Interesse Social cita a questão dos móveis ociosos, que podem ser objeto de aplicação dos instrumentos urbanísticos visando sua ocupação pela população de baixa renda. Um desses instrumentos é o PEUC (Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios), aplicado quando o imóvel não cumpre sua função social, é um instrumento do Estatuto da Cidade, ainda não regulamentado no Distrito Federal. Vale lembrar também que a demanda por recursos e infraestrutura como água, iluminação, esgoto e pavimentação, é muito custosa, e o Distrito Federal já enfrenta alguns problemas por conta do crescimento desordenado, relacionado diretamente aos custos e dificuldade de acesso à habitação digna. :: Leia outros textos desta coluna aqui :: * Cecília Almeida – Diretora Cultural e de Divulgação do Instituto de Arquitetos do Brasil do Distrito Federal ** Clarissa Sapori – Mestra em Planejamento Urbano. Coordenadora da Comissão de Política Urbana do Instituto de Arquitetos do Brasil do Distrito Federal. Cláudia Sales no evento “Arquitetura e feminismo: Sem começo nem fim”. Texto republicado do Coletivo Arquitetas Invisíveis
O mês de julho é marcado por 2 datas de grande relevância para a construção e debate sobre equidade, inclusão e visibilidade das mulheres no campo da arquitetura e urbanismo: o dia 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, e o dia 31 de julho, Dia Nacional da Arquiteta e Urbanista. Neste ano, a Coletiva Arquitetas (in)Visíveis, em conjunto com o IAB.DF e a Vice-Presidência Extraordinária de Ações Afirmativas do IAB, colaboraram com o Instituto Cervantes para montar a Exposição Arquitetura e Feminismo: sem começo nem fim, em Brasília. A exposição aborda o cotidiano dos espaços arquitetônicos, centralizando o ponto de vista das pessoas que tradicionalmente têm sido ignoradas e propondo alternativas mais igualitárias. Como parte da programação paralela à exposição, realizamos no dia 20 de julho uma mesa de debate sobre como habitar os espaços de forma mais sustentável, empática e justa, a partir da perspectiva feminista na arquitetura e urbanismo. O debate foi extremamente rico, contando com a participação de Semiramis González, curadora da exposição, Martha Fonseca Salinas, Collectiu Punt 6, Maribel Aliaga, observatório amar.é.linha, e Claudia Sales, conselheira federal do CAU/BR. Hoje, dando continuidade às celebrações deste mês e do Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, compartilhamos com todas, todes e todos a fala da arquiteta, urbanista e pedagoga Claudia Sales de Alcântara, que aborda a urgência de decolonizar o ensino para promover mudanças nas nossas cidades e sociedade. @claudiasalcantara ressalta a necessidade de DEcolonizar o ensino de arquitetura e urbanismo, construindo outras pedagogias e epistemes para além das dominantes, voltadas para os sujeitos subalternizados pela colonialidade, como indígenas, negros, mulheres e outros marcadores de diferença contrapostos às lógicas educativas hegemônicas, que são predominantemente masculinas e brancas. Somente assim poderemos avançar verdadeiramente. “Nossas arquitetas não cabem no ‘modulô”. Que estas reflexões inspirem a todos nós a construir um futuro mais equânime, generoso e transformador! ___________________________________________________________________ “Gênero, Raça e Planejamento de cidades”: decolonizar o ensino para mudar. Cláudia Sales de Alcântara Todas as pessoas deveriam sentir-se à vontade no espaço urbano, em qualquer lugar e a qualquer hora. O espaço urbano deveria ser democrático e as cidades seguras. O urbanismo deveria beneficiar todos, todas e todes, por intermédio de um espaço público mais inclusivo. Após décadas de cidades projetadas por e para homens, chegamos à conclusão de que o planejamento urbano não é neutro e que é preciso incluir as mulheres nele. Devemos pensar em propostas que consigam ir além de rever a má iluminação das vias, ou aumentar a vigilância, devemos pensar em como investir em estruturas urbanas inclusivas para criar espaços de convivência para que todos usufruam do direito à cidade. O CAU BRASIL tem se comprometido com a pauta da promoção da Equidade de Gênero na Arquitetura e Urbanismo por meio da Comissão Temporária de Equidade de Gênero do CAU/BR (2019), da Comissão Temporária de Política de Equidade de Gênero do CAU/BR (2020) e Comissão Temporária de Raça, Equidade e Diversidade (2021 – 22), incluindo a perspectiva das mulheres no desenvolvimento das cidades brasileiras por meio de uma nova abordagem de participação e a possibilidade de romper esses limites que definem o acesso das mulheres à cidade, tornando-as mais inclusivas e segura para todas as pessoas. Como instituições reguladoras e fiscalizadoras da profissão que moldam os espaços da moradia e do exercício da cidadania, o CAU/BR e os CAU/UF têm papel fundamental nesse contexto, pois podem esclarecer a sociedade sobre a importância do direito universal à cidade. Assim, buscam seu protagonismo como referência em planejamento e gestão democrática e inclusiva, especialmente porque mais da metade da categoria de arquitetos e urbanistas é composta por mulheres. Atender as demandas das mulheres no planejamento urbano não implica fazer uma cidade especializada unicamente para elas, excluindo o lugar e as necessidades dos outros cidadãos, mas afirmar uma perspectiva que representa uma nova abordagem de inclusão, do olhar, da opinião, da percepção e da contribuição das mulheres na construção da cidade contemporânea, trazendo uma nova dimensão ao desenvolvimento da cidade e da sociedade. Pensar as cidades a partir das necessidades de uso das mulheres é refletir sobre a infraestrutura do espaço urbano para responder às atividades do cotidiano também delas. Porém, quero trazer aqui mais uma camada interseccional para ser trabalhada com a questão de gênero, que é a questão racial. Isso porque ainda hoje no Brasil, as mulheres negras são quem protagonizam os piores indicadores sociais. As vivências de mulheres pretas são distintas das de mulheres brancas. Para nós, mulheres pretas, as experiências individuais e coletivas que nos movem são derivadas do enfrentamento diário pela sobrevivência em um ambiente estruturalmente racista, fruto de uma herança escravocrata que ainda não foi encarada como se deveria. A socióloga Ednéia Gonçalves elucida essa questão quando diz que:
Diante do exposto, quero concentrar minha fala colocando a necessidade de se trabalhar a questão de cidade gênero, numa perspectiva de justiça racial que nos permita a oportunidade de desconstruir estruturas que contribua para uma série de violações de direitos e nos permita obter uma compreensão mais profunda de como as estruturas racistas e patriarcais que se sobrepõem e que precisam ser debatidas e solucionadas. Entendo que essa questão envolve fundamentalmente a nossa formação para o exercício profissional. Se não fizermos uma revisão nos nossos currículos, um giro decolonial na nossa formação, não sairemos do canto, não conseguiremos construir as respostas que de fato são necessárias para esse contexto. A autora Thais Luzia Colaço utiliza o termo “decolonial”, suprimindo o “s” para marcar uma distinção com o significado de descolonizar em seu sentido clássico. Deste modo quer salientar que a intenção não é desfazer o colonial ou revertê-lo, ou seja, superar o momento colonial pelo momento pós-colonial. A intenção é provocar um posicionamento contínuo de transgredir e insurgir. O decolonial implica, portanto, uma luta contínua”. Indica uma superação do colonialismo — o qual é a base do patriarcado e o racismo; por seu turno, a ideia de decolonialidade indica exatamente o oposto e visa transcender a colonialidade. Precisamos DEcolonizar o ensino de arquitetura e urbanismo, construindo outras pedagogias e epistemes para além da hegemônica, a partir dos sujeitos subalternizados pela colonialidade, como indígenas, negros, mulheres e outros marcadores das diferenças contrapostas às lógicas educativas hegemônicas, que são masculinas e brancas. Só assim conseguiremos avançar. Os teóricos que estudamos são em sua maioria, ainda hoje, eurocêntricos e estadunidenses, não nos aprofundamos na produção de conhecimento latino-americana, voltada para América Latina, e por esse motivo, acabamos reproduzindo um conhecimento filosófico, metafísico, eclesiástico, arquitetônico, formado nesses países de centro, que não possui conexão com nossa realidade social e cultural. O que a gente faz é tentar de alguma maneira aplicar esses conhecimentos a nossa realidade, o que não funciona, fazendo com que as coisas feitas aqui pareçam ser muito distantes daquele ideal hegemônico. Logo, a nossa produção passa a ser vista como algo menor, como uma coisa que não conseguiu chegar lá, capenga e “tupiniquim”. Os cursos de Arquitetura e do Urbanismo no Brasil, tentando se inserir na linha histórica dos países europeus, valorizaram desde o seu nascedouro a seleção e organização do conhecimento produzidos nesses países de centro, como fundamento para a formação dos profissionais brasileiros. Esses conhecimentos foram distribuídos em, pelo menos, quatro principais eixos — teoria, história, projeto (arquitetura, urbanismo e patrimônio) e tecnologia — que se estruturam quase que de forma autônoma e independente, com pouca articulação e transversalidade e interdisciplinaridade. E isso por si só já é um prejuízo! Porque se tem um processo formativo fragmentado, na lógica do processo industrial (fabril), capitalista e colonial, onde se acredita que na junção das partes, forma-se o todo. E a gente já sabe, que, na prática, não funciona desta forma… Adotando o paradigma Moderno de fazer ciência — modelo esse eurocêntrico, dos países históricos (Flüsser) — impomos nas nossas escolas um pensamento cartesiano e positivista de enxergar a cidade e o edifício, simplificando problemas complexos, construindo de forma instrumental, linear e sucessiva o conhecimento. Então, a temática DA DECOLONIZAÇÃO DO ENSINO DE ARQUITETURA é uma temática que me obriga a falar desse projeto de modernidade, que continua presente nos cursos, numa lógica opressora para mulheres, pretos, povos originários, PCDs, etc. E me convida a pensar e construir paradigmas que rompam com essa produção de conhecimento de episteme eurocêntrica. E isso é muito difícil, porque ninguém quer fazer uma imersão em si: dá trabalho, mexe com problemas e feridas que não queremos lembrar e revisitar, nos obriga a rever e criticar o que já foi hegemonicamente colocado para nós, como se não nos houvesse outra opção, de forma “naturalizada”, numa espécie de violência simbólica onde nós, não percebendo essa violência que nos foi e é imputada, acabamos criando mecanismos de manutenção e reprodução dessa violência (Bourdieu). É o que Cida Bento chama de pacto da branquitude. Na arquitetura, mais especificamente, esse pensamento estruturado no modo cartesiano e positivista de enxergar a realidade, chega no seu expoente máximo no MODERNISMO, estabelecendo uma maneira de enxergar e projetar o objeto arquitetônico e a cidade. E nós, adotamos, sem sermos modernos, e sem passarmos pela revolução industrial, pelos mesmos problemas de ordem econômica-social que desembocou no modernismo europeu, esse paradigma como estruturante epistemológica das nossas escolas, e consequentemente em nossas cidades, desconsiderando nosso próprio processo histórico, marcado por diversas violências de gênero e raça. Por que estou dizendo tudo isso? Porque se quisermos habitar os espaços de forma mais sustentável, igualitária e justa, o nosso tema deve ser primeiro a DECOLONIZAÇÃO do campo da arquitetura e urbanismo. Porque a supervalorização do moderno, ainda tão presente nas escolas de arquitetura e urbanismo, gera pelo menos três problemas centrais, impeditivos para se construir espaços mais empáticos, uma profissão mais inclusiva e uma sociedade mais equânime a partir da arquitetura e urbanismo, são eles: o discurso, o projeto e o conteúdo das nossas escolas. O primeiro é o discurso, a falsa ideia que a verdadeira arquitetura brasileira foi aquela produzida durante o movimento moderno, numa tentativa “purista” e higienista, de se inserir na história da arquitetura “mundial”. Qual é o prejuízo desse tipo de supervalorização?: é que, se o modernismo brasileiro é a nossa arquitetura que “deu certo”, que nos projetou internacionalmente (aquela — falsa — sensação de que nos inserimos na linha histórica dos países de centro), então todos os estudantes querem copiar esse paradigma! Porque é mais seguro “colar” em algo que deu certo. E como prejuízo da supervalorização desse discurso, temos projetos que muitas vezes só contribuem para a manutenção e reprodução de uma arquitetura cartesiana e objetiva, distante da área criativa da complexidade da sociedade, que não cabe num “modulô”. O segundo problema está na maneira de fazer projeto que esse paradigma imprimiu e reproduzimos em muitas das nossas escolas. Já sabemos disso, mas falarei novamente, para os modernistas a forma do objeto arquitetônico deveria seguir a função. Portanto, a forma surge da articulação de atividades resolvidas em planta-baixa (elemento gerador do projeto). Frases clássicas como a de Le Corbusier — A Casa é uma Máquina de Morar — e a de Mies Van der Rohe — Menos é Mais — exaltavam os quesitos funcionais do projeto e ganharam o mundo, principalmente depois da segunda grande guerra. Iniciamos, geralmente, pela planta-baixa, depois eleva-se os cortes e fachadas. Essa forma de projetar faz com que o estudante não consiga ter uma visão geral (total), mais complexa do objeto, pois, sempre trabalha por partes, de forma fragmentada. Isso gera problemas não só de representação e de projeto, mas, problemas na maneira de ler a realidade, de ler o projeto, de ler o edifício, ler a cidade. Falta de conexão com as demais disciplinas, principalmente as de história. Esse modo de fazer projeto, fruto dessa racionalidade técnica eurocêntrica, centrada no olho, nada tem a ver com nossa cultura latino-americana, repleta de gestos, sentidos, excessos e mestiçagens. Para nós deveria ser “Mais é mais e menos é um tédio” (Iris Barrel), como sonhava Ariano Suassuna em seu manifesto Armorial:
O terceiro problema é que esse paradigma faz uma demarcação daquilo que deve ser estudado com uma certa importância e aquilo que deve ser deixado de lado, ele seleciona os conteúdos, ele fragmenta e diz aquilo que é importante e aquilo que é secundário, aquilo que é arte e aquilo que não é, aquilo que é arquitetura e aquilo que não deve ser. Supervaloriza os conhecimentos dos países históricos, e despreza e invisibiliza os saberes populares e conhecimentos dos demais contextos e culturas (demarcação de poder). E isso gera GRANDE PROBLEMA: o fato de eu eleger uma arquitetura como hegemônica, faz com que eu perceba com que toda a outra produção, ela seja colocada como uma categoria a parte, menor ou invisibilizada. É uma arquitetura e um urbanismo menor, que não precisa ser visto, não precisa ser visitado, não precisa ser analisada e protegida. Nós não estudamos a América Latina e sim a Europa. Não conhecemos as contribuições incas, maias, tupis, mas estudamos a Grécia Antiga e sabemos distinguir uma coluna dórica, jônica e coríntios! Vocês já se perguntaram a quem isso interessa? Nos aprofundamos nas obras dos “grandes” arquitetos do modernismo mundial e brasileiro, mas quando olhamos a cidade, o que a gente tem, não é exatamente esse exemplar. O que está sendo produzido são outras coisas: mestiças, ecléticas, femininas e barrocas. Fruto de uma série de fatores, que nós não estudamos nas escolas de arquitetura, e aí a gente se frustra! As escolas de arquitetura invisibilizam essa produção mestiça, marcada pela presença de negros, pardos, indígenas e mulheres, a produção feita a partir da diversidade de culturas e dos problemas do dia a dia; para supervalorizar uma produção que se assemelhe com a produção hegemônica dita “pura” e intelectualizada, o que supostamente nos levaria a um “reconhecimento e validação” dos países de centro. Habitar os espaços de forma mais sustentável, igualitária e justa, só será possível quando conseguirmos mudar nosso modo de estruturar os cursos de arquitetura e urbanismo, quando tivermos realmente dispostos a decolonizar e assumir nossa condição latino-americana. Eu ainda não sei como fazer isso, mas sei que um primeiro passo é trazer o tema para discutirmos nas universidades, entidades e conselho profissional, acreditando que outros caminhos também são possíveis. Como dizia Paulo Freire: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. “Mudar é difícil, mas é possível”. Brasília, 27 de abril de 2023 CONSELHEIROS: Henrique Adriano - IAB/DF / Pedro de Almeida Grilo – CAU/DF. PROCESSO Nº: 00390-00004353/2018-51 TIPO: Gestão Administrativa: Proposição de Projeto de Lei INTERESSADO: SEDUH/GDF ASSUNTO: Parecer referente a pedido de vistas do PLC de Parcelamento do Solo Acesse o parecer no link a seguir. ![]()
Carta nº 003-2023 Brasília/DF, 24 de janeiro de 2023 Prezadas e prezados associados e apoiadores do IAB.DF, É com grande satisfação e dever de responsabilidade que comunicamos que no dia 20 de dezembro de 2022, tomamos posse como dirigentes do IAB.DF para os próximos três anos (2023-2025). A chapa IAB-DF: cultura, democracia e diversidade foi eleita democraticamente no fim de 2022. Assim como o novo ano, nasce com o objetivo contribuir e seguir aprimorando a participação da nossa entidade. O IAB é uma organização da sociedade civil, de livre associação, composta por arquitetos e urbanistas e dirigentes que desempenham seu trabalho voluntariamente na entidade. Assim como o país, estamos reconstruindo. Os últimos anos não foram fáceis. Enfrentamos uma pandemia mundial, perdemos pessoas queridas, inclusive arquitetas e arquitetos referenciais para nós e nossa entidade e, especificamente no Brasil, vivenciamos constantes ataques à nossa frágil e recente democracia e suas instituições. O isolamento social que nos impôs o coronavírus, evidenciou a importância vital da cultura para os seres humanos, e nos colocou diante da fragilidade da democracia ameaçada, reforçando o papel fundamental da sociedade civil organizada. Confirmou a necessidade de estarmos em permanente trabalho em prol de processos participativos e da radicalização do regime democrático, visando garantir mais acesso e mais direitos. O momento atual é de retomada, reorganização e reconstrução. Estes conceitos, aliados à cultura, democracia e diversidade devem orientar os três anos de trabalho voluntário que ora começamos no IAB. Pretendemos também que o IAB.DF se consolide como escola cidadã e que seja suporte para o exercício de posturas e das boas práticas que tanto cobramos de nossos governantes, como a busca pela transparência, respeito e instituição de processos participativos e com controle social. A virada do ano já foi de muito trabalho para nós: começamos a fazer um levantamento pormenorizado das condições físicas e fiscais dos bens imóveis do IAB.DF. Também começamos a organizar os acervos documentais e bibliográficos do Departamento, entendendo que possuímos um legado fruto de muito trabalho daqueles que nos antecederam anos atrás e das/os associados, com suas anuidades e doações. Os bens do IAB merecem nosso mais profundo respeito e responsabilidade e terão em nossa gestão. Já iniciamos a elaboração de um planejamento estratégico para a gestão e a reorganização de nossa sede administrativa, além de muitas tarefas burocráticas inerentes à transição e início de gestão. Em breve gostaríamos de retomar atividades abertas ao público e eventos voltados ao debate e desenvolvimento do urbanismo e da arquitetura, da ampliação do direito à cidade, à arquitetura e à cultura, além de potencializar trocas entre as/os profissionais associados ao IAB. Estamos organizando uma cerimônia de posse, momento em que esperamos encontrar com todas/os vocês e nos apresentarmos a outros organismos e agentes que atuam no Distrito Federal, fortalecendo e estabelecendo novas pontes em prol do nosso DF e de nosso campo de atuação profissional e militante. Há muito trabalho a ser feito, muitas ideias, possibilidades e urgências. Para tanto, contamos com a contribuição de profissionais associados que são o sustentáculo de nosso departamento, seja por meio de doações, anuidades, parcerias e trabalho voluntário. Desde já convidamos a todas e todos para participar e ocupar o IAB.DF e seus espaços e nos ajudar a carregar nossas bandeiras históricas. Agradecemos o apoio e o voto de cada uma e cada um e nos colocando à disposição para quaisquer esclarecimentos necessários, críticas e sugestões. Estamos de braços abertos para acolher todas e todos que quiserem ser parte deste novo momento do IAB.DF. Atenciosamente, Luiz Eduardo Sarmento Presidente do IAB.DF no triênio 2023-2025 Maribel Fuentes Aliaga Vice-Presidente do IAB.DF no triênio 2023-2025 IAB.DF: cultura, democracia e diversidade
gestão 2023-2025 Conselho Diretor Presidente - Luiz Sarmento Vice- Presidente - Maribel Fuentes Aliaga (colaborador: André Tavares) Diretora Administrativo Financeiro - Nádia Vilela e Maribel Fuentes Aliaga Diretor Cultural e de Divulgação - Cecília de Almeida Silva e Guiga Nery Diretor de Articulação Institucional - Gabriel Couto Diretor Técnico - Leonardo Sá Diretora de Intercâmbio Acadêmico - Guiga Nery e Gê Gomes Coordenador da Comissão de Políticas Urbanas - Henrique Rabelo, Matias Ocaranza e Clarissa Sapori Coordenador Comissão da Trienal de Arquitetura de Brasília - Juliette Lenoir e Cecília de Almeida Silva Coordenação Especial das Comissões e Articulação Política - André Tavares (Cargo não estatutário proposto para a gestão) Coordenação de comunicação - Juliette Lenoir e Cecília de Almeida Silva (Cargo não estatutário proposto para a gestão) Coordenação de patrimônio cultural - Julia Mazzutti e José Leme Galvão - (Cargo não estatutário proposto para a gestão) Comissão extraordinária de equidade de gênero e raça - Raquel Freire - (Cargo não estatutário proposto para a gestão) Conselho Superior Conselheira Titular - Luiza Rego Dias Coelho Conselheira Titular - Raquel Freire Conselheira Titular - Letícia Miguel Teixeira Conselheiro Titular - José Leme Galvão Jr. Conselheiro Titular - Antônio Carlos Moraes de Castro Conselheiro Suplente - Raul Maravalhas Conselheiro Suplente - Caique Tomé Conselheiro Suplente - Gê Gomes Conselheiro Suplente - Heloísa Moura Conselheiro Suplente - Carol Baima Conselho Fiscal Conselheira - Clarissa Sapori Conselheiro - José Henrique Freitas Conselheiro - João Augusto Pereira Júnior Brasília, 02 de outubro de 2020 Nós, entidades abaixo assinadas, que atuam no direito à cidade, pelo patrimônio histórico e cultural, e no combate a qualquer forma de violação de direitos humanos, manifestamos nosso repúdio às ações que vêm sendo tomadas pelo Governo do Distrito Federal junto à população, particularmente aquela em situação de rua e vendedores ambulantes. Nas últimas semanas, temos observado nas diferentes Regiões Administrativas (RAs) ações arbitrárias de retirada das pessoas que moram e trabalham informalmente na rua. Justo em um momento de pandemia, no qual a pobreza e o desemprego se ampliaram no Brasil e no Distrito Federal: a taxa de desocupação atinge 19,2% (DIEESE, agosto de 2020) no DF, acima dos já alarmantes 13,7% (IBGE, setembro de 2020) para o Brasil. As ações que estão sendo tomadas pelo GDF estão pautadas em discursos higienistas e segregadores, fazendo valer uma política de retrocesso preocupante. Em estudos urbanos, as políticas higienistas são entendidas como aquelas que historicamente retiravam os pobres dos locais privilegiados e consideravam isso “embelezamento das cidades”, com ações conservadoras e excludentes, tendo como desculpa a garantia da saúde pública. Em todo o DF tem-se visto moradores em situação de rua e vendedores ambulantes tendo seus pertences destruídos ou tomados à força, em ações do DF Legal e/ou da Polícia Militar. Essas pessoas - que incluem aqueles em situação de extrema pobreza, com transtorno mental, desempregados, pessoas com redução significativa de renda durante a pandemia, entre tantos outros -, deslocam-se de seus lugares de origem em busca de melhores condições de vida, a partir de localidades periféricas do DF ou de outras cidades. Ocupam espaços privilegiados nas RAs como áreas centrais do Plano Piloto de Brasília. Década após década, são tratados como se não fossem parte da cidade, devendo ser transferidos para áreas cada vez mais distantes. Figura 1. Transferência das famílias que viviam próximas ao Plano Piloto para a atual Ceilândia, década de 1970. Acervo do Arquivo Público do DF. Figura 2. Ação do DF Legal para remoção forçada de famílias residentes em área próxima ao CCBB há mais de 30 anos. Foto: Bruno Stuckert. Disponível em: http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1625 Se uma ambulante, por exemplo, se desloca diariamente por pelo menos duas horas e em dois ônibus, da periferia ao centro, é porque é ali que ela conseguirá vender seus produtos e assim garantir o sustento de sua família. Mas o GDF acha que, para trabalhar, ela precisa se cadastrar em sua RA. Se um vendedor de balas decide morar no Setor Comercial Sul (SCS), ele não dorme na rua com sua família porque quer, e sim porque foi a alternativa que encontrou. Mas o GDF acha que a oferta de moradia em áreas centrais só deve acontecer se os especuladores imobiliários e empresários o fizerem. Se um alcoólatra foi viver na rua, longe de seus laços, por não conseguir conviver em seu ambiente familiar, é porque talvez não tenha encontrado outro caminho. Mas o GDF acha que em quinze dias vai resolver o problema da população de rua do SCS e que não precisa mais de Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) por lá. As justificativas que vem sendo trazidas pelos governos, em geral, são fundamentadas na garantia da ordem urbanística, além da defesa do patrimônio histórico do Conjunto Urbanístico de Brasília (CUB). Entretanto, a política adotada vai de encontro às discussões progressistas tanto nas questões urbanísticas quanto em relação ao patrimônio. Do ponto de vista urbanístico, muito se discute desde a década de 1960, com Jane Jacobs e outros importantes estudiosos, sobre os danos de um planejamento higienista e de uma cidade setorizada e hierarquizada socialmente para a qualidade de vida urbana. Além de formar indivíduos que não sabem dialogar com o diferente, por crescerem dentro de suas “bolhas”, essa lógica fortalece os processos de segregação e aprofunda as desigualdades sociais. Processos de segregação estruturais, como observamos no Distrito Federal, não serão rompidos de uma hora pra outra. O Estado não pode agir de modo impositivo e discriminatório sobre quem já é excluído e invisibilizado. Deve sim promover processos de mediação e ampla participação social na construção das políticas públicas. Quanto ao patrimônio, é importante ressaltar que ele não é estático e engessado. Ao contrário, o conceito de patrimônio evoluiu nas últimas décadas para o entendimento de que os conhecimentos, valores e práticas do quotidiano são elementos fundamentais da cultura, e devem ser preservados enquanto memória construída socialmente e historicamente. A partir desse entendimento - que fundamenta a proteção do patrimônio imaterial, por exemplo -, o tombamento de Brasília não pode estar amarrado a um plano, a uma ideia, sem considerar a dinâmica viva do território. O Plano Piloto como patrimônio deve incorporar os diferentes atores que fazem a cidade existir e que protagonizam os usos e atividades que configuraram, na prática, a identidade do lugar. Sempre fizeram parte dessa identidade da área central de Brasília os ambulantes da Rodoviária, que com seus sons e modos de ocupar o espaço são marcantes na dinâmica própria dessa porção da cidade, da formação de sua imagem no imaginário da população. Figura 3. Ambulantes na plataforma da Rodoviária Disponível em: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2019/11/18/ambulantes-sao-proibidos-de-vender-na-esplanada-dos-ministerios-e-no-centro-de-brasilia.ghtml É incabível, portanto, que as ações do GDF utilizem de argumentos pautados em questões urbanísticas e de patrimônio para justificar suas atitudes violentas, arbitrárias e de violações dos direitos humanos. Isso sem falar que infringem diferentes arcabouços legais, como a Lei Distrital 6.190/2018 e o Decreto 39.769/2019, que regulamentam a atividade ambulante, e a Lei 6.657/2020 que estabelece diretrizes para enfrentamento da COVID-19 nas periferias e proíbe a remoção de ocupações e a efetivação de ordens de despejo.
O GDF deve interromper imediatamente essas ações e determinações e modificar sua abordagem sobre o centro. Isso inclui cessar as remoções forçadas de pessoas em situação de rua, dos ambulantes, e todas as pessoas que se encontram em situação vulnerável. Inclui também a revogação da Ordem de Serviço no. 135/219, emitida pela Administração do Plano Piloto, a qual utiliza de forma arbitrária o tombamento de Brasília para justificar atitudes higienistas, com intuito claro de afastar a população vulnerável das áreas nobres do Plano Piloto. Seguiremos nos posicionando e lutando pelos conceitos acima colocados, entendendo que é nosso papel como entidades trazer educação urbanística e patrimonial a todos os cidadãos, incluindo nossos governantes. Assinam:
Preservar Brasília é também preservar seus acabamentos e texturas históricas: Carta aberta ao GDF sobre as obras no Eixo Residencial O Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamento do Distrito Federal vem manifestar sua preocupação com a retirada dos ladrilhos terracota das tesourinhas da Asa Sul, durante as reformas que ocorrem desde Novembro de 2019. Segundo informações da Agência Brasília, portal de notícias oficial do GDF, as tesourinhas do Plano Piloto estão sofrendo um processo de recuperação de estrutura e estética, de acordo com um projeto desenvolvido pela Novacap e aprovado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. No caso das tesourinhas da Asa Sul, os ladrilhos estão sendo retirados e o acabamento final da obra é concreto aparente, como são as tesourinhas da Asa Norte. É importante ressaltar que esses revestimentos de ladrilho são característicos do acabamento dos viadutos e passagens de pedestre da Asa Sul que, por ter sido implantada anteriormente, se diferencia da Asa Norte. Sendo, portanto, um testemunho do acabamento das obras públicas dos primeiros anos da construção de Brasília. Padronizar o acabamento seguindo um padrão mais recente e claramente menos cuidadoso é desrespeitoso com a identidade do lugar e as texturas escolhidas nos primeiros momentos da cidade moderna, que buscava uma unidade visual para todo o conjunto. Na Asa Sul é possível identificar com bastante clareza essa busca de unidade que, para além da volumetria das edificações, chega ao menor dos detalhes construtivos. O revestimento tão característico dos viadutos da Asa Sul é exatamente o mesmo que cobre as fachadas do Cine Brasília, projeto de Oscar Niemeyer tombado distritalmente. Revestimentos similares estão em outras edificações importantes e acabamentos de espaços urbanos em Brasília. Lajotas brancas, de mesma proporção revestem as áreas de circulação de automóveis na Rodoviária do Plano Piloto, assim como as estruturas de contenção dos desníveis da Esplanada dos Ministérios e as empenas dos próprios ministérios. O mesmo material foi especificado para revestir os pontos de ônibus projetados em 1961 por Sabino Barroso, também tombadas à nível distrital. Estão também nas mais antigas super quadras, revestindo os módulos das prefeituras locais e da Companhia Energética de Brasília. É interessante notar a lógica da escolha dos revestimentos: na região monumental da cidade, lajotas brancas, nos subterrâneos das áreas residenciais, lajotas terracota. É preocupante que o Governo do Distrito Federal não tenha com nosso patrimônio urbano o mesmo cuidado e respeito que tem com o arquitetônico, e é ainda mais preocupante que o Iphan permita esse tipo de intervenção que empobrece o espaço urbano tombado nacionalmente e reconhecido como Patrimônio Mundial (o primeiro construído no século XX reconhecido pela Unesco). A preservação do conjunto urbanístico de Brasília requer cuidados nas escolhas para as obras de conservação para que estas não acabem mutilando o bem. As recentes intervenções feitas pelo GDF adulteraram a paisagem bastante assimilada e reconhecida pela população e história do sítio vão contra as orientações internacionais e boas práticas nas intervenções em sítios listados como Patrimônio Mundial. Há tecnologia e meios suficientes para recuperar a estrutura das Tesourinhas mantendo o seu caráter identitário. Essas obras que promovem a remoção das texturas, dos acabamentos históricos, assimilados e reconhecidos da paisagem urbana da Capital, reforçam a perda de identidade, a destruição de um elemento bastante icônico do Conjunto Urbano Tombado, colaborando ainda mais na sua transformação em uma cidade genérica, com viadutos genéricos e de difícil higienização de suas superfícies. Um patrimônio de caráter mundial merece um cuidado condizente à sua importância, que vai desde o traçado urbano de Lúcio Costa, aos revestimentos e acabamentos originais e ou históricos. As justificativas para a retirada do revestimento devem ser melhor esclarecidas ou revertidas, pois as tesourinhas são elementos importantes da identidade da cidade, e a ação sobre elas deve ser discutida com a comunidade. Até o momento, os ladrilhos da SQS 203/4 e da SQN215/16 foram retirados, e outras Tesourinhas já foram fechadas para início da reforma. O Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamento do Distrito Federal vêm, portanto, cobrar um posicionamento do Governo do Distrito Federal e do Iphan antes que os revestimentos originais das demais tesourinhas da Asa Sul sejam também destruídos e a obra entregue em concreto aparente. Em um conjunto urbano, não só os grandes monumentos são importantes, mas também os detalhes, que em especial nesse sítio, fruto da inteligência e dos esforços de inúmeros brasileiros, Capital do País e do Design Mundial. São também esses elementos relegados nessas obras, que fazem Brasília ser uma Capital Mundial do Design e respeitada internacionalmente por sua arquitetura e urbanismo. Preservemos Brasília! Preservemos seus elementos arquitetônicos! *Esta nota foi elaborada à partir da denúncia do estudante de arquitetura e urbanismo Luiz Lopes, com sua contribuição. Abaixos, fotos do processo de descaracterização da tesourinha da Asa Sul As entidades abaixo subscritas, organizadas no Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro, reiteram a denúncia de desmonte do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em curso desde 2016 e agravado por novas nomeações de pessoas desqualificadas para os principais cargos diretivos das suas superintendências regionais. O IPHAN é uma das mais antigas e reconhecidas instituições voltadas à preservação do patrimônio cultural no mundo. Na condição de autarquia federal presta, há mais de 82 anos, importantes serviços à sociedade brasileira. Por meio de suas representações regionais, cujos cargos de chefia, ao longo da história, foram sempre ocupados por pessoas com a devida aptidão técnica, o IPHAN atua com segurança e firmeza. Portanto, a credibilidade das práticas e decisões do IPHAN é fundamentada na sua histórica e inegável competência na preservação e conservação do patrimônio cultural de nosso país. De acordo com o que vem sendo divulgado na mídia e nas redes sociais, na última semana foram nomeadas para cargos de chefia (Direção e Assessoramento Superior 3) nas Superintendências do Iphan nos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio de Janeiro pessoas sem a qualificação profissional mínima, ferindo direta e frontalmente as disposições do Decreto n° 9.727/2019, que dispõe sobre os critérios e o perfil profissional requeridos para a ocupação de cargos desta natureza. De acordo com esta norma, dentre outras qualificações, o postulante deve possuir título de especialista, mestre ou doutor em área correlata às funções que deverão ser exercidas ou comprovar experiência mínima de dois anos nesta área ou, ainda, de um ano em função pública de confiança. Estas nomeações seguem o mesmo critério, de caráter eminentemente político e não técnico, daquelas realizadas em 2019 e já denunciadas por este Fórum. Para o cargo de Superintendente do IPHAN no Estado da Paraíba foi nomeado um arquiteto e urbanista graduado há apenas três anos, enquanto para o cargo de chefe da divisão administrativa da mesma superintendência foi nomeado um “blogueiro” e pastor; ambos sem qualquer experiência profissional prévia na área. Para a coordenação técnica da Superintendência do IPHAN no Rio de Janeiro e para a coordenação administrativa da Superintendência do IPHAN em Minas Gerais, foram nomeados “blogueiros” sem qualquer experiência prévia na área ou no serviço público em geral. O Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro, instituído em outubro de 2019 como uma resposta a tais ataques, alerta para os riscos que essas nomeações representam para a adequada atuação destas superintendências e para a preservação do patrimônio cultural brasileiro. Deve-se destacar ainda que duas das três superintendências citadas abrigam bens inscritos na lista do Patrimônio Mundial da Unesco, de cuja convenção o Brasil é signatário, comprometendo-se, junto à comunidade internacional, a zelar pela preservação destes bens. Proteger o Iphan é preservar nossa memória coletiva. Brasil, 20 de abril de 2020. Assinam: ABA – Associação Brasileira de Antropologia ABAP – Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas ABEA – Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo ABGC – Associação Brasileira de Gestão Cultural ANPUH – Associação Nacional de História Anparq – Assoc. Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo Aneac – Assoc. Nacional dos Engenheiros e Arquitetos da Caixa Econômica Federal ANTECIPA – Assoc. Nacional de Pesquisa em Tecnologia e Ciência do Patrimônio Docomomo Brasil – Seção Brasileira do Comitê Internacional para a Documentação e Conservação de Edifícios, Sítios e Conjuntos do Movimento Moderno FeNEA – Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo FNA – Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil ICOM-BR – Conselho Internacional de Museus – Brasil Icomos Brasil – Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios ![]() O mundo enfrenta uma grave crise humanitária gerada por uma doença respiratória viral, a COVID-19. Os impactos globais dessa pandemia na saúde pública, na economia e na forma como habitamos as cidades serão profundos. A experiência de outros países em seu enfrentamento demonstra a importância da adoção de estratégias de isolamento social, quarentena e restrições de contato social para desacelerar o ritmo de contágio do vírus e evitar ou mitigar o colapso do sistema de saúde. Demonstra, também, que o tempo é fator vital: o quanto antes tais medidas forem tomadas, maior será sua eficácia. Tais estratégias são fundamentais no caso do Distrito Federal (DF), que se tornou um dos eixos de disseminação do vírus no país, contabilizando até o momento 312 casos confirmados e um óbito desde o registro do primeiro contágio². Entretanto, tendo em vista as profundas desigualdades do DF, é fundamental que sua implementação considere os diferentes níveis de vulnerabilidades socioespaciais, estabelecendo estratégias adequadas às especificidades de cada área urbana. O mapa 1 ilustra a distribuição dos primeiros casos oficiais no DF metropolitano e revela a concentração inicial de contagiados em áreas centrais de renda elevada: Plano Piloto, Lago Sul, Sudoeste/Octogonal, Águas Claras e Guará. Apesar disso, a primeira vítima fatal registrada na Área Metropolitana de Brasília foi uma mulher moradora de Luziânia, em Goiás, que esteve no DF e possivelmente foi contaminada aqui.³ Mapa 1: Número de casos confirmados de COVID-19 na AMB até 29.03.2020. Fonte: Elaboração própria com dados das secretarias de saúde locais (http://www.saude.df.gov.br/; http://www.saude.go.gov.br/). Esse fato é ilustrativo da provável dinâmica dos efeitos da epidemia nas grandes metrópoles, como Brasília. Embora o início do contágio tenha se dado por pessoas de média e alta renda, que regressaram de viagens ao exterior, a população pobre deve ser a mais afetada pela disseminação da doença e suas consequências. Nas ocupações precárias de baixa renda, as principais recomendações para evitar o contágio são impraticáveis, seja em virtude da baixa qualidade dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, do adensamento excessivo e precariedade das moradias ou do sistema de saúde deficitário. Além disso, as famílias dessas áreas estão mais sujeitas à diminuição de sua renda pelos efeitos da crise econômica provocada pela disseminação do vírus, uma vez que tais localidades concentram os menores níveis de renda e escolaridade e os maiores níveis de desemprego e de trabalho precário. Um indicativo importante de vulnerabilidade para a propagação do vírus é a condição habitacional das ocupações urbanas. O contágio é facilitado pela proximidade entre as pessoas, por isso, casas com muitos moradores ou com condições de ventilação e iluminação inadequadas aumentam significativamente os riscos de contaminação. Nesse sentido, o cálculo do déficit habitacional, que levanta os domicílios urbanos que não possuem condições adequadas para seus moradores, é um parâmetro pertinente para a análise do cenário. De acordo com dados da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SEDUH), em 2019 existiam, no DF, 134.118 domicílios em déficit, divididos nos seguintes componentes: 29.077 (21,68%) domicílios considerados habitações precárias⁴, 11.065 (8,25%) domicílios com famílias em coabitação familiar⁵, 11.803 (8,80%) domicílios alugados com adensamento excessivo⁶ e 82.173 (61,27%) em ônus excessivo com aluguel⁷. As Regiões Administrativas com as maiores porcentagens relativas eram SCIA/Estrutural, Varjão, SIA, São Sebastião, Núcleo Bandeirante e Sobradinho II, regiões de média-baixa e baixa renda. Visto que os três primeiros componentes do déficit se referem a domicílios que não oferecem condições adequadas para o isolamento social dos doentes, torna-se necessária a adoção de um protocolo de atendimento específico para os residentes dessas localidades, seja para evitar o contágio ou para o atendimento adequado aos que apresentem algum sintoma. Além disso, vale destacar a necessidade de acolhimento à população em situação de rua, para que suas condições de saúde e higiene sejam atendidas. Uma possibilidade, já utilizada em outros países, é o uso de hotéis para o isolamento dessas pessoas. Como sabemos, Brasília conta com vasto parque hoteleiro, que está com baixa demanda de uso diante do atual contexto. A construção de moradias temporárias e a priorização de testes para diagnóstico nas áreas que concentram população de rua, domicílios precários e em adensamento excessivo também são alternativas possíveis a curto prazo, visando atender demandas emergenciais de acolhimento e moradia. Além disso, subsídios para a realização de melhorias habitacionais para os moradores de domicílios precários, aplicando-se a lei federal de assistência técnica (Lei Nº 11.888/2008), podem viabilizar pequenas reformas que melhorem as condições de ventilação e iluminação das residências, compondo ação efetiva para combater a pandemia no médio e longo prazo. O componente do déficit habitacional de ônus excessivo com aluguel, que corresponde à maior proporção do percentual total do indicador (61,27%), também deve ser motivo de maior preocupação. As Regiões Administrativas com maiores percentuais relativos são Gama, Brazlândia, Santa Maria, Samambaia, Taguatinga e Águas Claras. A crise econômica provocada pela pandemia implicará a redução da renda das famílias e, consequentemente, levará ao aumento desse número. Além disso, aquelas que já estão em ônus, principalmente as de média-baixa e baixa renda, são um grupo de risco para ações de despejo ou para um maior comprometimento de outras despesas básicas do orçamento familiar, como saúde e alimentação. Nesse sentido, é preciso que o poder público crie possibilidades para a suspensão temporária da cobrança de aluguéis ou parcelamento futuro das dívidas referentes a essas cobranças. Em relação aos serviços de saneamento, sem os quais qualquer ação sanitária de combate ao vírus é inócua, as áreas pobres também são fortemente prejudicadas. Há urgência para que o governo construa uma estratégia emergencial para ofertar serviços de abastecimento de água nas ocupações onde esses serviços não existem, bem como para garantir a qualidade do atendimento nas regiões que contam com serviço precário. Por fim, o governo deve criar alternativas para minorar o impacto das contas dos serviços básicos (água e esgoto, energia) e impostos urbanos na frágil situação econômica da população mais vulnerável. No que se refere aos efeitos da pandemia sobre trabalho e renda, as regiões periféricas da cidade são, mais uma vez, as áreas de maior vulnerabilidade. No DF, os menores níveis de renda domiciliar ocorrem nas regiões Fercal, Itapoã, Paranoá, Recanto das Emas, SCIA – Estrutural e Varjão⁸, que também apresentam os maiores percentuais de desemprego⁹. A segregação manifesta-se ainda na distribuição espacial dos trabalhadores e suas respectivas formas de contratação: no centro, de alta renda, concentram-se os maiores percentuais de empregados formais e empregadores. Os autônomos concentram-se no pericentro de média-alta e alta renda (Águas Claras, Taguatinga e Jardim Botânico) e em RA de renda média-baixa e baixa, como Paranoá, Itapoã e São Sebastião. A proteção dos trabalhadores informais requer a implantação da renda básica emergencial, sendo importante uma complementação desse auxílio pelo GDF, financeira ou não, que alivie o orçamento familiar. Considerando esse cenário, é fundamental que se suspenda por tempo indeterminado o cumprimento de mandados de reintegração de posse, despejos e remoções judiciais ou extra-judiciais motivadas por reintegração, conforme propõe nota conjunta do Instituto de Arquitetos do Brasil-IAB, Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico-IBDU e Federação Nacional de Arquitetos e Urbanistas-FNA¹⁰. Tal medida humanitária é condição básica não só para a proteção das famílias vulneráveis como também para conter as possibilidades de contágio do vírus. Em síntese, as desigualdades que caracterizam nossas cidades devem estar no centro do desenho das estratégias para enfrentamento da epidemia de COVID-19 e de seus efeitos econômicos e sociais. O Estado deve criar as condições adequadas para que as medidas de isolamento e quarentena sejam viáveis nas áreas mais pobres, bem como promover políticas de distribuição de renda com o objetivo de minimizar os efeitos da crise econômica e social em tais áreas. Sabemos que o Estado não será capaz de suprir, sozinho, uma demanda tão grande e urgente. Sugerimos, portanto, que as entidades da sociedade civil se articulem para viabilizar ações junto ao poder público. Elencamos abaixo medidas que podem ser adotadas conjuntamente: Isolamento domiciliar ● Ocupação de imóveis ociosos ou construção de estruturas provisórias para isolamento de pessoas em vulnerabilidade, em especial daquelas em situação de rua, residentes em habitações precárias ou com adensamento excessivo, ou em situação de violência doméstica; ● Uso de imóveis residenciais e hoteleiros ociosos, que possuam instalações adequadas, para isolamento ou tratamento de pessoas infectadas, com benefícios fiscais ou abono de dívidas aos proprietários; ● Uso de imóveis comerciais, com subsídios para adequação ao uso residencial - inicialmente para atendimento aos efeitos da pandemia e posteriormente para atendimento ao déficit habitacional; ● Construção de moradias provisórias em terrenos ociosos, para população vulnerável que apresente sintomas da doença e que não necessite de hospitalização; Assistência social e de saúde à população vulnerável ● Priorizar os testes de COVID-19 nos territórios vulneráveis e onde o isolamento domiciliar é dificultado ou impossibilitado pela precariedade das moradias ou adensamento excessivo; ● Atuação de equipes multidisciplinares nos territórios vulneráveis com precariedade de serviços de saúde e saneamento, visando a prevenção e orientação da população; ● Distribuição de insumos básicos necessários à manutenção das condições de higiene e de saúde; Moradia digna ● Suspender despejos e reintegrações de posse até que esteja garantido o atendimento com moradia digna; ● Garantir a oferta dos serviços de abastecimento de água e saneamento para todos os domicílios, inclusive os inadimplentes ou em situação irregular; Redução do impacto na renda ● Negociação de aluguéis em especial para pessoas em ônus excessivo com aluguel. Sugere-se que a negociação ofereça possibilidades como desconto no valor mensal ou parcelamento; ● Flexibilizar as dívidas referentes às contas de energia, água e impostos urbanos para população de baixa renda; ● Complementar a renda básica emergencial, aprovada no Congresso Nacional, com outros auxílios na esfera distrital, sejam eles financeiros ou não (auxílio botijão de gás, distribuição de cestas básicas etc); Assistência técnica para habitação de interesse social ● Subsídio à elaboração de projetos e à execução de obras de melhorias em habitações precárias de baixa renda; ● Oferta de embriões de moradia - módulos de dimensões mínimas com funções básicas - para as famílias que receberam lote legal e não tiveram condições de construir moradia permanente; ● Capacitação de mão-de-obra nas comunidades, com favorecimento da qualidade das moradias autoconstruídas. ¹ Essa nota foi elaborada a partir do artigo As desigualdades na Área Metropolitana de Brasília e os perigos do coronavírus (COVID-19): impacto das medidas não farmacológicas no sistema de saúde e no funcionamento da metrópole, que contém o detalhamento dos dados aqui apresentados. Disponível em :https://drive.google.com/file/d/1ukb-nnLNDhx0aM3hsJ_jMT4WSgKtiGsQ/view?usp=sharing ² MINISTÉRIO DA SAÚDE, Painel Coronavírus, última atualização 17:00 30/03/2020. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/3 ³ http://www.saude.go.gov.br/noticias/764-coronavirus/10635-atualizacao-dos-casos-de-doenca-pelocoronavirus-covid-19-em-goias-26-03-2020 ⁴ Domicílios em zona urbana construídos com material que não alvenaria ou madeira aparelhada e domicílios improvisados. FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Déficit habitacional no Brasil 2015. Belo Horizonte : FJP, 2018. ⁵ Domicílios com famílias conviventes que possuam a intenção de construir outro domicílio exclusivo ou com famílias residentes em cômodos. Ibidem. ⁶ Domicílios alugados com número médio de moradores superior a três pessoas por dormitório. Ibidem. ⁷ Famílias residentes que comprometem mais de 30% da renda familiar com o pagamento do aluguel, com rendimento de até 03 salários mínimos. ⁸ CODEPLAN. Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios – PDAD/DF – 2018. Brasília, 2019. ⁹ DIEESE/CODEPLAN Pesquisa de Emprego e Desemprego, ano 28 - nº 08, Resultados de Agosto de 2019. Brasília, 2019. ¹⁰ Nota: Apelo pela suspensão do cumprimento de mandados de reintegração de posse e despejos ante o avanço do vírus COVID-19 no país Assinam: Agenda Popular do Território Candanga Advocacia Popular Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico - IBDU Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamento do Distrito Federal - IAB/DF Projeto Brasil Cidades - BR Cidades Sindicato dos Arquitetos do Distrito Federal FeNEA - Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil MTD - Movimento dos Trabalhadores por Direitos Andar a pé - O movimento da gente ONG Rodas da Paz Observatório das Metrópoles - Núcleo Brasília Atualizado em 7 de Abril de 2020. O Colegiado de Entidades Distritais de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal (CEAU-DF), composto pelas principais entidades de Arquitetura e Urbanismo (CAU/DF, IAB-DF, Arquitetos-DF, AeArq, ABEA, ABAP-DF e FENEA-DF) e o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios – Coordenação Distrito Federal (Icomos-DF) divulgou na última semana Nota Pública sobre a construção do Museu da Bíblia no Eixo Monumental, em Brasília (DF). O IAB DF, que também assinou a nota, manifesta seu repúdio à integridade da proposta como foi apresentada pelo Governo do Distrito Federal. Entendemos que, para além da questão da autoria e do respeito aos processos regulares de contratação de obras públicas, o debate encerra uma problemática ainda mais profunda, que se relaciona diretamente às intenções das ações do atual governo. O Distrito Federal enfrenta diariamente deficiências estruturais no sistema de saúde pública, carência de moradia digna, transporte público caro e sucateado. Convive com a iminência de uma crise hídrica, problemas de resolução inadiável pelas consequências perversas que trazem para a parcela mais pobre e vulnerável da população. Frente a esse quadro, parlamentares e governador optam por anunciar a aplicação de recursos vultuosos na construção de um Museu, da Bíblia, exortando-o como obra monumental de grande relevância e que, por essa razão, receberá, além dos investimentos destinados pelos parlamentares através de suas emendas, terras públicas doadas pelo Governo do Distrito Federal - em local onde hoje há espaço público e não um lote destinado a edificações. Ressalta-se que o anúncio da obra se faz sem considerar o debate público necessário que deveria acontecer no âmbito do Plano de Preservação do Conjunto Urbano Tombado – PPCUB, cuja tramitação e discussão com a sociedade se encontram paralisados desde o início do atual governo. Sem considerar também que a revisão do Plano Diretor de Ordenamento Territorial – PDOT deverá começar ainda esse ano e que é lá, no contexto de debate amplo com a sociedade, que devem ser discutidas as prioridades de investimento em desenvolvimento urbano, bem como indicadas as intervenções necessárias para levar a termo os objetivos de planejamento da cidade. A legislação do Distrito Federal prevê uma estrutura de planejamento territorial e urbano robusta e abrangente que, diuturnamente, vem sendo deixada de lado em detrimento da valorização de interesses privados. Enquanto isso, a grande maioria da população segue alijada de direitos e excluída dos processos decisórios que determinam dos rumos da cidade e de suas próprias vidas, como cidadãos. A partilha de poder, tão cara às democracias avançadas, tem sido feita não com a sociedade, mas com poucos escolhidos e aliados políticos, representantes de interesses que nem sempre convergem com os interesses da população em geral. Defendemos ser fundamental que a destinação dos recursos públicos, sejam eles oriundos do orçamento discricionário do executivo ou de emendas parlamentares, esteja alinhada ao cumprimento do interesse público e social, visando o bem estar da coletividade e o atendimento das necessidades do povo. Por essa razão, manifestamos nosso completo repúdio à execução da obra em questão. Leia a Nota do CEAU-DF na íntegra AQUI
As entidades abaixo subscritas manifestam o repúdio das categorias que representam aos ataques promovidos pela Administração Federal ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), com a substituição sumária de seus superintendentes regionais por agentes públicos sem competência, experiência do Patrimônio Cultural brasileiro. O Iphan tem sido alvo de ataques persistentes perpetrados por grupos econômicos que buscam usar a dilapidação sistemática do Patrimônio Nacional como alavanca para o interesse de poucos. No golpe de Estado de 2016, cujas consequências deletérias à democracia brasileira são evidentes até hoje, tentou-se de modo autocrático e arbitrário extinguir por decreto tanto o Ministério da Cultura quanto o próprio Instituto – responsável pela preservação da identidade cultural de nosso país há mais de 80 anos. Na ocasião, organizações populares se levantaram em atos, ocupações, mobilizações de luta contra tal investida, logrando revertê-la e assegurar a continuidade do Iphan. O atual governo, aprofundando de sua agenda obscurantista, também ataca a cultura popular, o Patrimônio Nacional, o Iphan. Dessa vez a investida é velada, por meio da nomeação de pessoas sem formação ou experiência em atividades correlatas ao Patrimônio Cultural. Busca-se, com isso, desmontar o Instituto por inércia e incompetência, extinguindo as políticas de preservação construídas ao longo de décadas, subordinando o licenciamento de empreendimentos a interesses, no mínimo, não esclarecidos. Tal tática é parte não apenas do ataque ao Iphan, mas de um ataque generalizado também ao o funcionalismo público federal de conjunto, ameaçado em todos os sentidos por grupos econômicos interessados no desmonte do Estado brasileiro. A ofensiva contra os servidores públicos, e contra a estrutura do serviço público, é também uma investida direta contra as políticas públicas por eles empreendidas. Por isso, essa política destrutiva é também um ataque contra ao brasileiro, que sofrerá com as consequências do apagamento de sua memória e da degradação do ambiente urbano afeto ao Patrimônio Cultural. Especificamente, no caso de Brasília, se assistirá a uma rápida dilapidação dos bens patrimoniais sob tutela do Instituto: os conjuntos urbanos, os edifícios, as práticas e saberes. O próprio Plano Piloto, listado como patrimônio da Humanidade desde 1987, será presa fácil dos grupos que buscam subordinar nossa Cultura à exclusiva manutenção de seus privilégios econômicos. Não cabe, portanto, esperar qualquer recuo espontâneo desses grupos que hoje se apoderam de nossas instituições de modo espúrio. Convocamos todos os arquitetos e urbanistas, servidores públicos, organizações e lideranças populares à mobilização imediata em defesa do Iphan, não apenas no Distrito Federal mas também em todo o País, contra a nomeação arbitrária para importantes cargos de definição de políticas de preservação de nosso país, pela valorização das carreiras de servidores afeitas à preservação de nosso patrimônio cultural. Brasília, 20 de setembro de 2019. ArquitetosDF Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas do Distrito Federal IAB-DF Instituto dos Arquitetos do Brasil – Departamento do Distrito Federal Sindsep-DF Sindicato dos Servidores Públicos Federais no DF Abap-DF Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas - Núcleo Distrito Federal Icomos-DF Conselho Internacional de Monumentos e Sítios – DF Urbanistas por Brasília Fenea-Centro Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura - Regional Centro O Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), a Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), a Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura (ABEA), Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura (AsBEA), a Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (ABAP) e a Federação Nacional doss Estudantes de Arquitetura e Urbanismo (FENEA) vêm se manifestar à sociedade brasileira em apoio à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e em repúdio às declarações do Senhor Presidente da República que atacam preceitos basilares do Estado Democrático de Direito e desrespeitam a memória das vítimas da ação violenta do Estado Brasileiro durante o período da Ditadura Militar. Manifestações como essas não são compatíveis com o cargo de Presidente da República, o qual deve respeito à Constituição Federal e às instituições republicanas democraticamente constituídas. As entidades profissionais têm papel fundamental para a independência e autonomia na prática profissional em prol do desenvolvimento, para o bem da sociedade. Ataques velados ou diretos a essas instituições, bem como a seus dirigentes, guardam intenções diversas, entre as quais desqualificar aquelas entidades que se posicionam de forma crítica e autônoma no cumprimento de suas missões institucionais e na defesa da sociedade. Expressamos nossa solidariedade a todas as vítimas dos períodos de exceção a que foi submetido nosso país, desde aqueles que sofreram restrições de liberdade de atuação profissional e de cátedra, até aqueles torturados, “desaparecidos” ou mortos. Por fim, reiteramos nosso compromisso com a Democracia e os Direitos Humanos, entre eles os direitos políticos, sociais e civis, tal qual o Direito à Cidade justa e democrática. Tais preceitos são imprescindíveis para, entre outros propósitos, o livre exercício das profissões em prol do desenvolvimento da Nação de forma republicana e democrática. |
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