Preservar Brasília é também preservar seus acabamentos e texturas históricas: Carta aberta ao GDF sobre as obras no Eixo Residencial O Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamento do Distrito Federal vem manifestar sua preocupação com a retirada dos ladrilhos terracota das tesourinhas da Asa Sul, durante as reformas que ocorrem desde Novembro de 2019. Segundo informações da Agência Brasília, portal de notícias oficial do GDF, as tesourinhas do Plano Piloto estão sofrendo um processo de recuperação de estrutura e estética, de acordo com um projeto desenvolvido pela Novacap e aprovado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. No caso das tesourinhas da Asa Sul, os ladrilhos estão sendo retirados e o acabamento final da obra é concreto aparente, como são as tesourinhas da Asa Norte. É importante ressaltar que esses revestimentos de ladrilho são característicos do acabamento dos viadutos e passagens de pedestre da Asa Sul que, por ter sido implantada anteriormente, se diferencia da Asa Norte. Sendo, portanto, um testemunho do acabamento das obras públicas dos primeiros anos da construção de Brasília. Padronizar o acabamento seguindo um padrão mais recente e claramente menos cuidadoso é desrespeitoso com a identidade do lugar e as texturas escolhidas nos primeiros momentos da cidade moderna, que buscava uma unidade visual para todo o conjunto. Na Asa Sul é possível identificar com bastante clareza essa busca de unidade que, para além da volumetria das edificações, chega ao menor dos detalhes construtivos. O revestimento tão característico dos viadutos da Asa Sul é exatamente o mesmo que cobre as fachadas do Cine Brasília, projeto de Oscar Niemeyer tombado distritalmente. Revestimentos similares estão em outras edificações importantes e acabamentos de espaços urbanos em Brasília. Lajotas brancas, de mesma proporção revestem as áreas de circulação de automóveis na Rodoviária do Plano Piloto, assim como as estruturas de contenção dos desníveis da Esplanada dos Ministérios e as empenas dos próprios ministérios. O mesmo material foi especificado para revestir os pontos de ônibus projetados em 1961 por Sabino Barroso, também tombadas à nível distrital. Estão também nas mais antigas super quadras, revestindo os módulos das prefeituras locais e da Companhia Energética de Brasília. É interessante notar a lógica da escolha dos revestimentos: na região monumental da cidade, lajotas brancas, nos subterrâneos das áreas residenciais, lajotas terracota. É preocupante que o Governo do Distrito Federal não tenha com nosso patrimônio urbano o mesmo cuidado e respeito que tem com o arquitetônico, e é ainda mais preocupante que o Iphan permita esse tipo de intervenção que empobrece o espaço urbano tombado nacionalmente e reconhecido como Patrimônio Mundial (o primeiro construído no século XX reconhecido pela Unesco). A preservação do conjunto urbanístico de Brasília requer cuidados nas escolhas para as obras de conservação para que estas não acabem mutilando o bem. As recentes intervenções feitas pelo GDF adulteraram a paisagem bastante assimilada e reconhecida pela população e história do sítio vão contra as orientações internacionais e boas práticas nas intervenções em sítios listados como Patrimônio Mundial. Há tecnologia e meios suficientes para recuperar a estrutura das Tesourinhas mantendo o seu caráter identitário. Essas obras que promovem a remoção das texturas, dos acabamentos históricos, assimilados e reconhecidos da paisagem urbana da Capital, reforçam a perda de identidade, a destruição de um elemento bastante icônico do Conjunto Urbano Tombado, colaborando ainda mais na sua transformação em uma cidade genérica, com viadutos genéricos e de difícil higienização de suas superfícies. Um patrimônio de caráter mundial merece um cuidado condizente à sua importância, que vai desde o traçado urbano de Lúcio Costa, aos revestimentos e acabamentos originais e ou históricos. As justificativas para a retirada do revestimento devem ser melhor esclarecidas ou revertidas, pois as tesourinhas são elementos importantes da identidade da cidade, e a ação sobre elas deve ser discutida com a comunidade. Até o momento, os ladrilhos da SQS 203/4 e da SQN215/16 foram retirados, e outras Tesourinhas já foram fechadas para início da reforma. O Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamento do Distrito Federal vêm, portanto, cobrar um posicionamento do Governo do Distrito Federal e do Iphan antes que os revestimentos originais das demais tesourinhas da Asa Sul sejam também destruídos e a obra entregue em concreto aparente. Em um conjunto urbano, não só os grandes monumentos são importantes, mas também os detalhes, que em especial nesse sítio, fruto da inteligência e dos esforços de inúmeros brasileiros, Capital do País e do Design Mundial. São também esses elementos relegados nessas obras, que fazem Brasília ser uma Capital Mundial do Design e respeitada internacionalmente por sua arquitetura e urbanismo. Preservemos Brasília! Preservemos seus elementos arquitetônicos! *Esta nota foi elaborada à partir da denúncia do estudante de arquitetura e urbanismo Luiz Lopes, com sua contribuição. Abaixos, fotos do processo de descaracterização da tesourinha da Asa Sul
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Para celebrar os 60 anos de Brasília em tempos de quarentena, cito Vinícius de Moraes e sua Sinfonia da Alvorada, canção criada por ele e Tom Jobim para a inauguração da capital.
“ No princípio era o ermo Eram antigas solidões sem mágoa. O altiplano, o infinito descampado No princípio era o agreste: O céu azul, a terra vermelho-pungente E o verde triste do cerrado. Eram antigas solidões banhadas De mansos rios inocentes Por entre as matas recortadas. Não havia ninguém. (...)” A sinfonia melancólica de dois gênios da música brasileira poderia ser entoada hoje para uma Brasília vazia pela quarentena, mas o som triste de Tom para a música não fez história. A música se perdeu e o atual momento sócio-político-econômico conturbado e distópico pede a inquietude do rock, pede a rebeldia de ideias e a quebra de regras pré-estabelecidas. Precisamos resgatar a essência dos anos sessenta, ao menos aquela que se lê nos livros, se escuta nas músicas, se vê na arte e unir essa salada intelectual com a rebeldia do rock brasiliense dos anos oitenta. O projeto de Lucio Costa para a capital do País existe hoje porque apresentou ideias e não detalhes. As minúcias foram expostas por palavras e não por desenhos técnicos. A poesia concreta das palavras do professor Lucio materializou uma cidade utópica e real, cheia de acertos e imperfeições. As críticas feitas a Brasília por pessoas que não a vivenciaram são comumente superficiais e baseadas em julgamentos preexistentes, portanto, nos concentremos no que é essencial: a realidade! Quem mora em Brasília admira sua singularidade e quem a visita não a compreende. Com razão! Norma Everson disse que “para apreciarmos Brasília devemos tomá-la em seus próprios termos”¹ e para isso é preciso conhecê-la, vivenciá-la. A propagação errônea de que “Brasília logrou como proposta criativa e falhou como proposta objetiva”² é recorrente em diversos textos sobre a cidade, mas a verdade é que esse lero-lero está superado. Sessenta anos após sua inauguração ainda há críticas à cidade e nos próximos sessenta sem dúvida ainda haverá. Resta entender quais merecem nossa atenção e quais precisam ser ignoradas. Brasília é um campo infindável de pesquisa! Dois anos após a sua inauguração, o arquiteto britânico David Crease, disse que Brasília era uma cidade ao mesmo tempo real e irreal, que tinha algo da vida de metrópole e a simplicidade de uma cidade feita por pioneiros, pessoas simples. Brasília não mudou, continua a apresentar essa dicotomia em seus cheios e vazios, em sua escala humana e monumental, em seu ar cosmopolita e interiorano, em sua lógica temporal de cidade histórica para muitos e quadrienal para outros, em suas ruas vazias preenchidas pelas poesias do coletivo transverso, na contraposição entre o carro e o pedestre, no seu urbanismo democrático e excludente, nas suas ideias outrora inovadores e ultrapassadas. Brasília não é nada diferente do que somos, um corpo vivo cheio de contradições. Mantendo a dualidade como diretriz discursiva, peço licença para fazer uma referência às avessas ao capítulo: Eclipse da Matéria: arquiteturas veladas, do belo livro do arquiteto Guilherme Wisnik - que em 22 páginas discorre sobre a imaterialidade tectônica das coisas e sobre a grande transformação material e mental que o mundo passou na segunda metade do século XX. Seguindo essa lógica, Brasília é a Presença do Vazio: cidades desveladas! As contradições poéticas presentes em várias partes da cidade que podem discursar sobre incoerências existentes na nossa sociedade e cultura. Brasília é igual a qualquer cidade brasileira com suas disparidades espaciais e socioeconômicas, mas ao mesmo tempo singular e diferente de todas elas. ¹ Everson, Norma - Two Brazilian Capitals – Architecture and Urbanis in Rio and Brasília. ² Choay, Françoise - Brasília – uma capital pré-fabricada Daniel Mangabeira da Vinha é arquiteto e urbanista presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal. É sócio do escritório Bloco Arquitetos e um dos fundadores do Coletivo Ateliê Piloto. Foi Diretor de Divulgação e Cultura do IAB DF na gestão do presidente Otto Ribas. Hoje a nossa homenagem é para todas as mulheres e homens da população dos anos 60 que entregaram suas vidas para construir nossa cidade. candangas e candangos, avós e avôs, mães e pais nossos que não foram reconhecidos.
Compartilhe conosco um relato ou história de um amigo ou parente seu que faz parte dessa história ! As entidades abaixo subscritas, organizadas no Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro, reiteram a denúncia de desmonte do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em curso desde 2016 e agravado por novas nomeações de pessoas desqualificadas para os principais cargos diretivos das suas superintendências regionais. O IPHAN é uma das mais antigas e reconhecidas instituições voltadas à preservação do patrimônio cultural no mundo. Na condição de autarquia federal presta, há mais de 82 anos, importantes serviços à sociedade brasileira. Por meio de suas representações regionais, cujos cargos de chefia, ao longo da história, foram sempre ocupados por pessoas com a devida aptidão técnica, o IPHAN atua com segurança e firmeza. Portanto, a credibilidade das práticas e decisões do IPHAN é fundamentada na sua histórica e inegável competência na preservação e conservação do patrimônio cultural de nosso país. De acordo com o que vem sendo divulgado na mídia e nas redes sociais, na última semana foram nomeadas para cargos de chefia (Direção e Assessoramento Superior 3) nas Superintendências do Iphan nos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio de Janeiro pessoas sem a qualificação profissional mínima, ferindo direta e frontalmente as disposições do Decreto n° 9.727/2019, que dispõe sobre os critérios e o perfil profissional requeridos para a ocupação de cargos desta natureza. De acordo com esta norma, dentre outras qualificações, o postulante deve possuir título de especialista, mestre ou doutor em área correlata às funções que deverão ser exercidas ou comprovar experiência mínima de dois anos nesta área ou, ainda, de um ano em função pública de confiança. Estas nomeações seguem o mesmo critério, de caráter eminentemente político e não técnico, daquelas realizadas em 2019 e já denunciadas por este Fórum. Para o cargo de Superintendente do IPHAN no Estado da Paraíba foi nomeado um arquiteto e urbanista graduado há apenas três anos, enquanto para o cargo de chefe da divisão administrativa da mesma superintendência foi nomeado um “blogueiro” e pastor; ambos sem qualquer experiência profissional prévia na área. Para a coordenação técnica da Superintendência do IPHAN no Rio de Janeiro e para a coordenação administrativa da Superintendência do IPHAN em Minas Gerais, foram nomeados “blogueiros” sem qualquer experiência prévia na área ou no serviço público em geral. O Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro, instituído em outubro de 2019 como uma resposta a tais ataques, alerta para os riscos que essas nomeações representam para a adequada atuação destas superintendências e para a preservação do patrimônio cultural brasileiro. Deve-se destacar ainda que duas das três superintendências citadas abrigam bens inscritos na lista do Patrimônio Mundial da Unesco, de cuja convenção o Brasil é signatário, comprometendo-se, junto à comunidade internacional, a zelar pela preservação destes bens. Proteger o Iphan é preservar nossa memória coletiva. Brasil, 20 de abril de 2020. Assinam: ABA – Associação Brasileira de Antropologia ABAP – Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas ABEA – Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo ABGC – Associação Brasileira de Gestão Cultural ANPUH – Associação Nacional de História Anparq – Assoc. Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo Aneac – Assoc. Nacional dos Engenheiros e Arquitetos da Caixa Econômica Federal ANTECIPA – Assoc. Nacional de Pesquisa em Tecnologia e Ciência do Patrimônio Docomomo Brasil – Seção Brasileira do Comitê Internacional para a Documentação e Conservação de Edifícios, Sítios e Conjuntos do Movimento Moderno FeNEA – Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo FNA – Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil ICOM-BR – Conselho Internacional de Museus – Brasil Icomos Brasil – Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios O mundo enfrenta uma grave crise humanitária gerada por uma doença respiratória viral, a COVID-19. Os impactos globais dessa pandemia na saúde pública, na economia e na forma como habitamos as cidades serão profundos. A experiência de outros países em seu enfrentamento demonstra a importância da adoção de estratégias de isolamento social, quarentena e restrições de contato social para desacelerar o ritmo de contágio do vírus e evitar ou mitigar o colapso do sistema de saúde. Demonstra, também, que o tempo é fator vital: o quanto antes tais medidas forem tomadas, maior será sua eficácia. Tais estratégias são fundamentais no caso do Distrito Federal (DF), que se tornou um dos eixos de disseminação do vírus no país, contabilizando até o momento 312 casos confirmados e um óbito desde o registro do primeiro contágio². Entretanto, tendo em vista as profundas desigualdades do DF, é fundamental que sua implementação considere os diferentes níveis de vulnerabilidades socioespaciais, estabelecendo estratégias adequadas às especificidades de cada área urbana. O mapa 1 ilustra a distribuição dos primeiros casos oficiais no DF metropolitano e revela a concentração inicial de contagiados em áreas centrais de renda elevada: Plano Piloto, Lago Sul, Sudoeste/Octogonal, Águas Claras e Guará. Apesar disso, a primeira vítima fatal registrada na Área Metropolitana de Brasília foi uma mulher moradora de Luziânia, em Goiás, que esteve no DF e possivelmente foi contaminada aqui.³ Mapa 1: Número de casos confirmados de COVID-19 na AMB até 29.03.2020. Fonte: Elaboração própria com dados das secretarias de saúde locais (http://www.saude.df.gov.br/; http://www.saude.go.gov.br/). Esse fato é ilustrativo da provável dinâmica dos efeitos da epidemia nas grandes metrópoles, como Brasília. Embora o início do contágio tenha se dado por pessoas de média e alta renda, que regressaram de viagens ao exterior, a população pobre deve ser a mais afetada pela disseminação da doença e suas consequências. Nas ocupações precárias de baixa renda, as principais recomendações para evitar o contágio são impraticáveis, seja em virtude da baixa qualidade dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, do adensamento excessivo e precariedade das moradias ou do sistema de saúde deficitário. Além disso, as famílias dessas áreas estão mais sujeitas à diminuição de sua renda pelos efeitos da crise econômica provocada pela disseminação do vírus, uma vez que tais localidades concentram os menores níveis de renda e escolaridade e os maiores níveis de desemprego e de trabalho precário. Um indicativo importante de vulnerabilidade para a propagação do vírus é a condição habitacional das ocupações urbanas. O contágio é facilitado pela proximidade entre as pessoas, por isso, casas com muitos moradores ou com condições de ventilação e iluminação inadequadas aumentam significativamente os riscos de contaminação. Nesse sentido, o cálculo do déficit habitacional, que levanta os domicílios urbanos que não possuem condições adequadas para seus moradores, é um parâmetro pertinente para a análise do cenário. De acordo com dados da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SEDUH), em 2019 existiam, no DF, 134.118 domicílios em déficit, divididos nos seguintes componentes: 29.077 (21,68%) domicílios considerados habitações precárias⁴, 11.065 (8,25%) domicílios com famílias em coabitação familiar⁵, 11.803 (8,80%) domicílios alugados com adensamento excessivo⁶ e 82.173 (61,27%) em ônus excessivo com aluguel⁷. As Regiões Administrativas com as maiores porcentagens relativas eram SCIA/Estrutural, Varjão, SIA, São Sebastião, Núcleo Bandeirante e Sobradinho II, regiões de média-baixa e baixa renda. Visto que os três primeiros componentes do déficit se referem a domicílios que não oferecem condições adequadas para o isolamento social dos doentes, torna-se necessária a adoção de um protocolo de atendimento específico para os residentes dessas localidades, seja para evitar o contágio ou para o atendimento adequado aos que apresentem algum sintoma. Além disso, vale destacar a necessidade de acolhimento à população em situação de rua, para que suas condições de saúde e higiene sejam atendidas. Uma possibilidade, já utilizada em outros países, é o uso de hotéis para o isolamento dessas pessoas. Como sabemos, Brasília conta com vasto parque hoteleiro, que está com baixa demanda de uso diante do atual contexto. A construção de moradias temporárias e a priorização de testes para diagnóstico nas áreas que concentram população de rua, domicílios precários e em adensamento excessivo também são alternativas possíveis a curto prazo, visando atender demandas emergenciais de acolhimento e moradia. Além disso, subsídios para a realização de melhorias habitacionais para os moradores de domicílios precários, aplicando-se a lei federal de assistência técnica (Lei Nº 11.888/2008), podem viabilizar pequenas reformas que melhorem as condições de ventilação e iluminação das residências, compondo ação efetiva para combater a pandemia no médio e longo prazo. O componente do déficit habitacional de ônus excessivo com aluguel, que corresponde à maior proporção do percentual total do indicador (61,27%), também deve ser motivo de maior preocupação. As Regiões Administrativas com maiores percentuais relativos são Gama, Brazlândia, Santa Maria, Samambaia, Taguatinga e Águas Claras. A crise econômica provocada pela pandemia implicará a redução da renda das famílias e, consequentemente, levará ao aumento desse número. Além disso, aquelas que já estão em ônus, principalmente as de média-baixa e baixa renda, são um grupo de risco para ações de despejo ou para um maior comprometimento de outras despesas básicas do orçamento familiar, como saúde e alimentação. Nesse sentido, é preciso que o poder público crie possibilidades para a suspensão temporária da cobrança de aluguéis ou parcelamento futuro das dívidas referentes a essas cobranças. Em relação aos serviços de saneamento, sem os quais qualquer ação sanitária de combate ao vírus é inócua, as áreas pobres também são fortemente prejudicadas. Há urgência para que o governo construa uma estratégia emergencial para ofertar serviços de abastecimento de água nas ocupações onde esses serviços não existem, bem como para garantir a qualidade do atendimento nas regiões que contam com serviço precário. Por fim, o governo deve criar alternativas para minorar o impacto das contas dos serviços básicos (água e esgoto, energia) e impostos urbanos na frágil situação econômica da população mais vulnerável. No que se refere aos efeitos da pandemia sobre trabalho e renda, as regiões periféricas da cidade são, mais uma vez, as áreas de maior vulnerabilidade. No DF, os menores níveis de renda domiciliar ocorrem nas regiões Fercal, Itapoã, Paranoá, Recanto das Emas, SCIA – Estrutural e Varjão⁸, que também apresentam os maiores percentuais de desemprego⁹. A segregação manifesta-se ainda na distribuição espacial dos trabalhadores e suas respectivas formas de contratação: no centro, de alta renda, concentram-se os maiores percentuais de empregados formais e empregadores. Os autônomos concentram-se no pericentro de média-alta e alta renda (Águas Claras, Taguatinga e Jardim Botânico) e em RA de renda média-baixa e baixa, como Paranoá, Itapoã e São Sebastião. A proteção dos trabalhadores informais requer a implantação da renda básica emergencial, sendo importante uma complementação desse auxílio pelo GDF, financeira ou não, que alivie o orçamento familiar. Considerando esse cenário, é fundamental que se suspenda por tempo indeterminado o cumprimento de mandados de reintegração de posse, despejos e remoções judiciais ou extra-judiciais motivadas por reintegração, conforme propõe nota conjunta do Instituto de Arquitetos do Brasil-IAB, Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico-IBDU e Federação Nacional de Arquitetos e Urbanistas-FNA¹⁰. Tal medida humanitária é condição básica não só para a proteção das famílias vulneráveis como também para conter as possibilidades de contágio do vírus. Em síntese, as desigualdades que caracterizam nossas cidades devem estar no centro do desenho das estratégias para enfrentamento da epidemia de COVID-19 e de seus efeitos econômicos e sociais. O Estado deve criar as condições adequadas para que as medidas de isolamento e quarentena sejam viáveis nas áreas mais pobres, bem como promover políticas de distribuição de renda com o objetivo de minimizar os efeitos da crise econômica e social em tais áreas. Sabemos que o Estado não será capaz de suprir, sozinho, uma demanda tão grande e urgente. Sugerimos, portanto, que as entidades da sociedade civil se articulem para viabilizar ações junto ao poder público. Elencamos abaixo medidas que podem ser adotadas conjuntamente: Isolamento domiciliar ● Ocupação de imóveis ociosos ou construção de estruturas provisórias para isolamento de pessoas em vulnerabilidade, em especial daquelas em situação de rua, residentes em habitações precárias ou com adensamento excessivo, ou em situação de violência doméstica; ● Uso de imóveis residenciais e hoteleiros ociosos, que possuam instalações adequadas, para isolamento ou tratamento de pessoas infectadas, com benefícios fiscais ou abono de dívidas aos proprietários; ● Uso de imóveis comerciais, com subsídios para adequação ao uso residencial - inicialmente para atendimento aos efeitos da pandemia e posteriormente para atendimento ao déficit habitacional; ● Construção de moradias provisórias em terrenos ociosos, para população vulnerável que apresente sintomas da doença e que não necessite de hospitalização; Assistência social e de saúde à população vulnerável ● Priorizar os testes de COVID-19 nos territórios vulneráveis e onde o isolamento domiciliar é dificultado ou impossibilitado pela precariedade das moradias ou adensamento excessivo; ● Atuação de equipes multidisciplinares nos territórios vulneráveis com precariedade de serviços de saúde e saneamento, visando a prevenção e orientação da população; ● Distribuição de insumos básicos necessários à manutenção das condições de higiene e de saúde; Moradia digna ● Suspender despejos e reintegrações de posse até que esteja garantido o atendimento com moradia digna; ● Garantir a oferta dos serviços de abastecimento de água e saneamento para todos os domicílios, inclusive os inadimplentes ou em situação irregular; Redução do impacto na renda ● Negociação de aluguéis em especial para pessoas em ônus excessivo com aluguel. Sugere-se que a negociação ofereça possibilidades como desconto no valor mensal ou parcelamento; ● Flexibilizar as dívidas referentes às contas de energia, água e impostos urbanos para população de baixa renda; ● Complementar a renda básica emergencial, aprovada no Congresso Nacional, com outros auxílios na esfera distrital, sejam eles financeiros ou não (auxílio botijão de gás, distribuição de cestas básicas etc); Assistência técnica para habitação de interesse social ● Subsídio à elaboração de projetos e à execução de obras de melhorias em habitações precárias de baixa renda; ● Oferta de embriões de moradia - módulos de dimensões mínimas com funções básicas - para as famílias que receberam lote legal e não tiveram condições de construir moradia permanente; ● Capacitação de mão-de-obra nas comunidades, com favorecimento da qualidade das moradias autoconstruídas. ¹ Essa nota foi elaborada a partir do artigo As desigualdades na Área Metropolitana de Brasília e os perigos do coronavírus (COVID-19): impacto das medidas não farmacológicas no sistema de saúde e no funcionamento da metrópole, que contém o detalhamento dos dados aqui apresentados. Disponível em :https://drive.google.com/file/d/1ukb-nnLNDhx0aM3hsJ_jMT4WSgKtiGsQ/view?usp=sharing ² MINISTÉRIO DA SAÚDE, Painel Coronavírus, última atualização 17:00 30/03/2020. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/3 ³ http://www.saude.go.gov.br/noticias/764-coronavirus/10635-atualizacao-dos-casos-de-doenca-pelocoronavirus-covid-19-em-goias-26-03-2020 ⁴ Domicílios em zona urbana construídos com material que não alvenaria ou madeira aparelhada e domicílios improvisados. FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Déficit habitacional no Brasil 2015. Belo Horizonte : FJP, 2018. ⁵ Domicílios com famílias conviventes que possuam a intenção de construir outro domicílio exclusivo ou com famílias residentes em cômodos. Ibidem. ⁶ Domicílios alugados com número médio de moradores superior a três pessoas por dormitório. Ibidem. ⁷ Famílias residentes que comprometem mais de 30% da renda familiar com o pagamento do aluguel, com rendimento de até 03 salários mínimos. ⁸ CODEPLAN. Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios – PDAD/DF – 2018. Brasília, 2019. ⁹ DIEESE/CODEPLAN Pesquisa de Emprego e Desemprego, ano 28 - nº 08, Resultados de Agosto de 2019. Brasília, 2019. ¹⁰ Nota: Apelo pela suspensão do cumprimento de mandados de reintegração de posse e despejos ante o avanço do vírus COVID-19 no país Assinam: Agenda Popular do Território Candanga Advocacia Popular Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico - IBDU Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamento do Distrito Federal - IAB/DF Projeto Brasil Cidades - BR Cidades Sindicato dos Arquitetos do Distrito Federal FeNEA - Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil MTD - Movimento dos Trabalhadores por Direitos Andar a pé - O movimento da gente ONG Rodas da Paz Observatório das Metrópoles - Núcleo Brasília Atualizado em 7 de Abril de 2020. |
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