Ainda não conseguimos esclarecer a importância da pasta. POR GÍLSON PARANHOS | 31.01.2023 11H02 Que ótimo termos novamente o Ministério das Cidades! Que ótimo ver comprovada que a Democracia é uma realidade em nosso país. Que ótimo ter um governo respeitado internacionalmente, comprometido e eleito pela maioria do povo brasileiro.
As boas intenções desse governo ficaram muito claras desde o momento em que o presidente Lula recebeu a faixa presidencial das mãos de representantes das minorias, dos mais vulneráveis. Ao tomar posse, seus ministros declaram num mesmo tom que todas as pessoas, a natureza, os animais e o meio ambiente importam e, ainda que seja impossível emitir quaisquer avaliações referentes a esse novo governo que mal começou a trabalhar, assumindo as rédeas de um país com essa extensão dois meses mesmo antes de tomar posse, já conseguimos vislumbrar os primeiros passos do Brasil que sonhamos reconstruir se tornando real. Entretanto, é importante refletirmos logo neste primeiro momento a centralidade de um dos ministérios trazidos de volta pelo atual presidente: o Ministério das Cidades. Minha avaliação é a de que ainda não conseguimos esclarecer à sociedade, e nem mesmo aos gestores públicos mais próximos, a importância do Ministério das Cidades enquanto indutor de um processo de extinção de vulnerabilidades, construtor de cidadania e de combate às desigualdades reinantes na sociedade brasileira. Entre suas virtudes, o Ministério das Cidades se apresenta como um instrumento de produção de emprego e renda através do Minha Casa Minha Vida (MCMV), uma bandeira muito importante e que deve ser mantida, porém já passou da hora de avançarmos e conseguirmos atender às necessidades de nosso povo, necessidades que coincidem com os anseios do presidente Lula e dos gestores sérios de nosso país de maneira a multiplicar essa produção de emprego e renda, mas também atingindo os “pobres mais pobres”, como nos referíamos na Teologia da Libertação há alguns anos, no ambiente onde nasceu o PT. No momento em que um banco como a Caixa cria – de maneira correta, como deve ser – um “filtro” para se proteger esses “pobres mais pobres” de perdem o acesso à sua casa própria de qualidade, fica nítido que essa é a parcela da população que devemos atender como prioridade, porém isso é algo que ainda não conseguimos mostrar aos gestores como algo possível. A importância de uma ação concreta, mais do que atingir um produto final, está no processo de diminuição da desigualdade, na capilaridade na geração de emprego e renda e no crescimento da cidadania das populações periféricas de nossas cidades. A proteção ao meio ambiente também é consequência de uma inclusão social que possibilite os vulneráveis a se aproximarem dos vazios urbanos e, principalmente, dar autonomia a essa população para que não perca seus laços afetivos, de parentesco e vizinhança tão necessários ao desenvolvimento de sua autoestima. É verdade que a maioria do cidadão comum, nosso querido leitor, pode estar se perguntando: “mas como isso é possível?” É provável que o Ministério das Cidades mostrará nesta gestão como isso é bem plausível, utilizando a implantação da Assistência Técnica para a Habitação de Interesse Social (ATHIS), Lei Federal 11.888/2008, que tem instrumentos para viabilizar todas essas ações. Em algumas áreas de nosso país, isso já tem acontecido. A ATHIS é a ferramenta que viabiliza e acelera a regularização fundiária, produz as necessárias melhorias habitacionais e viabiliza criação de cidades acessíveis. Nosso déficit habitacional é muito mais qualitativo que quantitativo, como comprovam os dados da Fundação João Pinheiro e de todas as instituições sérias que trabalham no assunto. Os mesmos valores da construção de uma unidade habitacional nova que atende a uma família viabilizam a melhoria de dez unidades existentes, atendendo a dez novas famílias sem produzir “guetos” e sem onerar a infraestrutura, bem como os custos de sua manutenção. Comprovadamente, a presença de um arquiteto nas equipes volantes do Saúde da Família do SUS produz uma enorme economia aos cofres públicos. Curamos as doenças das casas que causam as doenças nas pessoas que, além de deixarem de sofrer com as enfermidades, desoneram o SUS. A pandemia escancarou essa realidade e é inteligente tomarmos providências simples a esse respeito. Tal qual em diversos países desenvolvidos como França, Finlândia entre outros, o novo Ministério das Cidades também deverá implantar o Aluguel Legal, tão necessário para combater outra faceta de nosso déficit habitacional de maneira a criar uma “ponte” de acesso à moradia digna, sem precisar construir sequer uma unidade habitacional. É de conhecimento dos especialistas, especialmente no interior dos movimentos sociais, que temos “mais casas precisando de gente do que gente precisando de casas”. Não é o caso de entrarmos aqui na discussão sobre os detalhes de tantos equívocos técnicos absurdos de nossas legislações, muitos deles produzidos por nós, homens brancos, letrados e desconhecedores da vivência do dia a dia das populações mais pobres, especialmente nas periferias das grandes cidades, onde, sectariamente, denominamos a “cidade formal” e a “cidade informal”, determinando quais lotes devem ter no mínimo 125 m2, ou onde edifícios de apartamentos devem ter uma vaga de garagem por unidade, mas é importante dizer que sem cidadania é difícil exigir respeito a quaisquer códigos de obras. Se pela ausência do Estado, há anos vemos que nem o código penal é respeitado, quanto mais um código de obras. É urgente que “afinemos internamente nossa viola”, fazendo uma avaliação criteriosa de nossa comunicação, de nossas certezas e, principalmente, dos motivos que nos impedem de informar adequadamente à população brasileira sobre a importância basilar do Ministério das Cidades, um dos mais relevantes ministérios desse país e, devido à gravidade da atual conjuntura, um dos que mais deveria ser respeitado. Digo isso enquanto arquiteto urbanista que, ao lado de diversas profissões, movimentos sociais e, principalmente, junto aos usuários, estudamos, vivemos e procuramos contribuir na produção de nossas cidades. Este artigo foi publicado originalmente no portal https://www.cartacapital.com.br/blogs/br-cidades/por-que-o-ministerio-das-cidades-e-importante/ sobre o autor Gílson Paranhos Arquiteto e urbanista formado pela Universidade de Brasília, presidiu o IAB DF no biênio 2000/2001 e o IAB Nacional de 2010 a 2012, é colaborador da Rede BrCidades e militante do IAB.
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Multidão diante do Palácio do Planalto para a posse do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, 1 de janeiro de 2023 Foto Warley Andrade [EBC/Agência Brasil] É a primeira vez que vejo uma posse em Brasília. Estou há 15 anos vivendo na capital, vindo de Minas, e me considero candango. Talvez um neocandango. Reflexões à parte sobre o neologismo posto, talvez alguns não me considerem um candango (cheguei tarde para usufruir da definição tradicional do termo, e com função meramente acadêmica - não vim construir Brasília em sua materialidade). Também não posso me dizer pioneiro (título restrito à aristocracia convidada/incentivada à vir a Brasília), cheguei tarde e sem posses ou cargos. Mas assim como os trabalhadores que aqui chegaram ao final dos anos 1950 e início dos 1960, vim para construir Brasília, ou reconstruí-la. Não do zero ou a partir de um gesto “primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz”. Cheguei no planalto para me fazer, para pensar e para continuar o “fazimento” da cidade-capital do Brasil, (usando uma conjugação cara à Darcy Ribeiro). Por mais crítico que eu seja em relação ao urbanismo moderno, presente em Brasília, me emocionei ao ver esta cidade-capital cumprindo uma de suas mais importantes funções: a de ser suporte para os mais importantes acontecimentos do Estado brasileiro. Até então nunca havia assistido a uma posse presidencial. Deixo isso bem claro. Me mudei para a capital sob o governo Lula. Votei Dilma em segundos turnos, mas a realidade nunca me permitiu ver qualquer posse presidencial. Temer não tomou posse, usurpou a faixa e seu lugar no Planalto. De Bolsonaro sempre quis distância e sua posse foi um dia triste em que eu queria me ver longe da Esplanada, mesmo vivendo no Plano Piloto, Asa Norte - colado aos Ministérios. Diferente das anteriores, a posse de Lula foi um acontecimento que não só eu queria ter conhecimento, como desejava estar presente e participar. Quando estudamos história e analisamos conjuntura, sabemos bem quando um fato histórico vai acontecer. É questão de entendimento do presente de quem consegue mirar o futuro (estudamos história!). Pois, em 01 de janeiro de 2023, estava eu e queridas amigas/os na Esplanada – esse grande vazio cercado de poder por todos os lados. Não vou falar da emoção de ver um presidente sensível subindo as rampas planejadas e caminhando nos grandes espaços dessa cidade única. Me atenho não à pessoa, à figura, mas ao seu fundo. Penso que Lucio Costa e Oscar Niemeyer ficariam satisfeitos ao ver sua obra servindo de suporte a um momento único da democracia. Imagino que pensaram Brasília para esse momento. Lembro de Vladmir Saflate falando da potência de uma ideia quando encontra seu tempo. De uma cidade quando encontra seu tempo. Ali, no meio da multidão, sob o sol do cerrado, sem água e sem comida fácil para se adquirida – precisaríamos de horas em filas – Brasília – uma ideia construída – encontrou seu tempo. Um momento potente. Chorei. Choramos. O povo subiu a rampa para entregar uma faixa presidencial. O povo brasileiro ocupou seu lugar no tempo, na história e seu lugar. O povo. O palácio (moderno, tropical, nunca visto). O tempo. A história. O urbanismo e a arquitetura de Brasília como fundo. Como suporte. Como expressão de um povo que tem altives. Um povo criativo, elegante, culto, fazedor. A decolonização se fez presente, visível. Uma cidade como suporte para relações e representações. Patrimônio intangível absolutamente material. (Re)Vejo nosso presidente caminhando pelos grandes pavimentos de mármore. O desenho modernista dos espelhos d’água. Colunas de palácios como nunca se viu (desde Grécia). O grito de um indígena, que se banha nas cascatas do Palácio da Justiça, rompe o espaço e nos mostra que somos muito mais. Não apenas admiramos prédios e suas. Vivemos prédios e colunas e gentes. Sob o sol escaldante e belo. Após ouvir parte do melhor da produção musical brasileira, em palco que nunca se viu tão bonito e importante em Brasília, caminhamos no gramado milimetricamente planejado. A luz e o céu de Brasília nos arrebata. A catedral está logo ali, com fundo rosa. O teatro, vazio, abandonado, mantem sua importância e dignidade apesar dos pesares. Sentamos na sarjeta no início da asa norte esperando um uber. Uma companheira chega, desde Niterói, e comenta sob seu espanto, cansaço e alegria. Um Brasil novo começa a ser erguido sentado naquele meio-fio da L2 norte. Um Brasil cansado mas cheio de esperança. Um Brasil do futuro que se reencontra e começa a ser forjado. Zweig gostaria de estar conosco ali, não tenho dúvidas. Ao som de Baiana System, sentimos que uma ideia de fato encontrou seu tempo. Brasília cumpriu parte de seu papel. O sonho do patriarca, ou talvez e principalmente o sonho da resistência ao patriarca, de certa forma se forjou. (Foda-se o patriarca.) Naquele dia p Brasil se fez (ou se mostrou) gigante e diverso. E subiu a rampa. Três estrelas brilhavam no planalto central do brasil. As três marias que guiam caminhantes desde tempos imemoriais. Desde a imensidão do planalto, penso que podemos ser um povo feliz de novo. O sol nasce iniciando nova Alvorada. Horas depois, rampas, colunas e palácios testemunham tico-ticos violentos que protegem ferozmente seus territórios. Seus, por direito. Acho que algo querem nos dizer sobre geografia. Sob a sombra de um pequizeiro pensamos tudo o que poderíamos ter sido e o que somos. Lançamos sementes às chamas para que germinem. Não esqueçamos que Brasil vem de brasa. Este artigo foi publicado originalmente no portal https://vitruvius.com.br sobre o autor Luiz Eduardo Sarmento é Arquiteto e Urbanista, Presidente do Departamento do DF do IAB e Diretor Nacional de Cultura da Entidade, e mestrando em arquitetura e urbanismo pela UnB. |
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