foto Joana França
O Brasil se encontra ante um desafio inédito. A resposta terá implicações essenciais para o desenvolvimento, a equidade, o meio ambiente e para a própria democracia. O sistema político foi surpreendido em 2013 pela força das ruas e pensou absorvê-la no âmbito das eleições de 2014. Pode se surpreender outra vez. Os contornos imprevistos avançam além do embate eleitoral e pedem novos encaminhamentos. O cerne da questão é o modo como a população urbana tem sido (mal) tratada. O Brasil viveu longo período de crescimento demográfico e de urbanização da população. A expansão das cidades era vista como natural. E os problemas urbanos, como típicos do crescimento, justificando as imprevidências e a falta de planejamento. Construímos importante sistema de cidades, mas metade sem saneamento, péssimo transporte, moradias precárias. Contudo, a sensação de futuro se preservava. Agora, quando a população para de crescer, a base muda. As cidades terão outras referências, e os movimentos de 2013 sinalizam nesse sentido. Seria o tempo de qualificar as cidades. Vivemos, porém, fenômeno social que dobrará as cidades atuais. Hoje, no país, vivem três pessoas em cada domicilio urbano; em uma geração, serão duas pessoas. Sem crescer a população, isso implica aumentar em 50% o número de moradias, a que se adicionarão a substituição das obsoletas, novos equipamentos, novas infraestruturas e serviços exigidos pela dinâmica geral. É possível estimar que, em 25 anos, um outro Brasil urbano se somará ao Brasil urbano de hoje. Mas o sistema de cidades está dado, pouco mudará. Se persistirmos no modelo urbanístico atual, rodoviarista e predador de territórios, as cidades continuarão se expandindo. Expandir sem aumento de população significa o esvaziamento da cidade nas áreas hoje consolidadas. Isto é, infraestruturas subaproveitadas, transportes mais caros e mais demorados. Sobretudo, a inviabilidade dos serviços públicos pelos altos custos. Ou seja, o aumento da desigualdade. Como fazer com que a cidade universalize os serviços públicos, qualifique os espaços comuns, garanta a mobilidade adequada? Como alcançar a boa cidade, condição para o desenvolvimento econômico e social? O Brasil precisará construir uma agenda especial para trocar o modelo urbanístico. Não é fácil, é necessário. Cada dia no modelo antigo, mais extensa, menos densa e menos bem servida fica a cidade. Mais maltratada a população. A nova cidade precisará se somar à cidade existente ficando onde está. Ao invés de dispersar as construções, concentrar e manter a população. O aproveitamento dos vazios urbanos e equipamentos degradados, bairros inteiros a recuperar, a urbanização dos assentamentos populares e redes de transporte de alta capacidade são algumas medidas nesse sentido. É uma agenda que pede nova gestão pública, planejamento compartilhado e projetos consequentes. São eles que desenharão a cidade democrática. Fazem parte deste século XXI a compreensão sobre as vantagens da equidade, o respeito às razões do planeta e as virtudes da democracia — componentes essenciais do ideário contemporâneo. As cidades, maior artefato da cultura, desenham-se sintonizadas no tempo. O desafio é inédito porque, de fato, o país ainda não enfrentou a questão urbana. Está na hora. (Artigo originalmente publicado no jornal O Globo de sábado, 13 de setembro de 2014) Autor: Sérgio Magalhães Mini currículo: É arquiteto e doutor em Urbanismo (UFRJ/FAU-Prourb), professor do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da FAU-UFRJ. Foi secretário municipal de Habitação do Rio de Janeiro (1993-2000) e secretário de Estado de Projetos Especiais do Rio de Janeiro (2001-2002). Recebeu o Prêmio FAD-2012, em Barcelona, concedido à PCRJ pelo Programa Favela-Bairro; recebeu do SAL-2013, em Bogotá, o "Prêmio América de Arquitetura". É presidente do IAB - Direção Nacional.
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