“- ...De uma cidade não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas. - Ou as perguntas que nos colocamos para nos obrigar a responder, como Tebas na boca da Esfinge.” Italo Calvino Niemeyer disse, certa vez, que a vida é um sopro. Grande verdade. Lá se vão 60 anos! E a memória viaja ao lembrar-me das reuniões no espaço modesto e separado por tabiques no esqueleto da obra do Teatro Nacional. Um espaço precário que o IAB-DF compartilhava com a Associação Nacional de Escritores. Arquitetos e escritores em tempos de paixão e tarefas de construir, cantar e fazer a cidade caminhar por seus próprios pés. O IAB-DF era o único canal de representação dos arquitetos no Distrito Federal. Único e solitário. E cuja missão era a de representar uma pequena e desagregada corporação profissional predominantemente branca e masculina. Com outros arquitetos de vários estados do país, aqui cheguei em 1963 para trabalhar e fazer um mestrado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB. Nesse grupo, mulheres eram poucas. Apenas quatro. Na Faculdade Nacional de Arquitetura onde me graduei, no Rio de Janeiro, tinham sete em um universo de cento e dez formandos. Na década de sessenta apenas umas poucas dezenas de arquitetos residiam e atuavam profissionalmente em Brasília. A cidade era pontuada por pequenos rodamoinhos, os “lacerdinhas”, que nublavam a atmosfera com poeira vermelha. Convivia-se com as árvores tortas e toda a rica e rasteira vegetação do cerrado. A paisagem de superquadras recentemente construídas era complementada pelos barracos de madeira dos acampamentos de obras. Era uma rusticidade só, mas a moldura era o céu mais escandalosamente cinematográfico. Havia poucos carros para muita rua. As decisões políticas e administrativas eram tomadas de cima para baixo. Primeiro por prefeitos e depois por governadores designados pela Presidência da República. O Senado Federal, à uma inadequada distância, exercia a função legislativa da nova capital. Na Universidade de Brasília, abalada pela crise política nacional e pela demissão da quase todos seus docentes e pesquisadores em 1965, havia uma única, pioneira e solitária instituição de formação profissional de arquitetos, a FAU. Na época, os paradigmas da arquitetura modernista eram assumidos como uma verdade inquestionável. Mas em boa parte do mundo suas diretrizes já apresentavam sinais de estar fazendo água e eram alvo de muitas críticas. Falar do passado é relembrar, dar vida ao já vivido. Mas o presente e o futuro nos trazem questões e problemas cotidianamente. E o Instituto dos Arquitetos do Brasil, aqui neste Distrito Federal, enfrenta grandes e complexos desafios. A cidade foi densamente arborizada e a poeira desapareceu. Os antigos acampamentos foram derrubados e deixaram poucos vestígios. Alguns deles foram incorporados à estrutura da cidade, se transformando em bairros. Os barracos foram substituídos por edificações de alvenaria. A expansão exponencial da frota de automóveis transformou o espaço do Plano Piloto em uma imensa área de estacionamento. Esses veículos não foram “domesticados”, como esperava Lúcio Costa. O carro – em detrimento dos pedestres e do transporte público - passou a ser o distorcido foco da atenção dos governantes da cidade. A nova capital deixou de ser um canteiro de obras e conquistou sua autonomia e representação política. Brasília se expandiu e se transformou num centro metropolitano que abrange uma complexa região que superou os limites do Distrito Federal. O Plano Piloto, com toda sua carga simbólica, transformou-se em um conjunto de bairros privilegiados de uma cidade desigual. A Arquitetura deixou de ser um nicho de atuação masculina e começa a ser, ainda que lentamente, mais inclusiva e representativa da diversidade étnica do país. A quantidade de escolas de arquitetura também se multiplicou. A pioneira FAU-UnB perdeu seu status de único centro de formação graduada de arquitetos, embora ainda permaneça como o mais importante centro de pós-graduação e formação de quadros docentes e profissionais de arquitetura do Distrito Federal. Criaram-se novos e significativos canais de representação e regulação das atividades profissionais, como o Sindicato dos Arquitetos e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo/CAU. O campo profissional, antes direcionado aos temas da arquitetura da edificação e ao urbanismo, também se ampliou e tornou-se mais abrangente valorizando várias subáreas de atividade profissional. Apesar das dificuldades conjunturais e enfrentando crises e obstáculos, o IAB-DF, com altos e baixos ao longo de sua história, sempre atuou como consciência crítica em defesa da sociedade e do patrimônio cultural da cidade. Questões patrimoniais e urbanísticas nunca saíram do foco de atenção dos arquitetos, seja pela contribuição do IAB ou a de profissionais que trabalhavam em entidades públicas. E não foram poucas as intervenções dos arquitetos nas formulações de políticas públicas, planos, pesquisas e estudos. O PEOT, POT, Brasília Revisitada e a série dos PDOTs são propostas apresentadas por arquitetos residentes em Brasília ou que aqui atuaram. Atualmente, há grupos de profissionais e leigos, que se organizam e participam ativamente do debate sobre as questões da cidade. Tudo isso faz crer num futuro mais esperançoso, mas também cheio de incertezas. Pergunto-me qual papel o IAB-DF e os arquitetos de Brasília poderão assumir na constituição de uma cidade que desejamos mais justa e humana? As verdades e paradigmas modernistas expressos e defendidos na Carta de Atenas e em outros documentos, se desvaneceram e perderam credibilidade. Mesmo em um mundo globalizado e de comunicação instantânea, as respostas e soluções universais e padronizadas não são mais adequadas. Novos desafios surgem a cada dia nesse mundo uno e diversificado. Pois é exatamente nesse mundo, no pequeno planeta no qual vivemos que se coloca a questão da sua relação com a natureza. Os recursos naturais que utilizamos para atender nossas necessidades estarão para sempre disponíveis? Como estabelecer uma relação mais harmoniosa com o ambiente natural e edificado? Como tornarmo-nos uma sociedade mais igualitária? A resiliência das cidades e outros assentamentos não seria o problema central a ser enfrentado? Essas e outras inúmeras questões não deveriam ser exaustivamente examinadas pelos arquitetos? Brasília e o mundo precisam e aguardam por respostas consistentes. Respostas que venham, não como sonho nem utopia, pela voz dos arquitetos e de toda comunidade. Que os arquitetos liberem a imaginação na direção de um futuro que vá além do debate das questões do Plano Piloto. Plano esse que seu criador dizia lembrar uma borboleta. Que os arquitetos voem tal como a borboleta, não apenas nas asas de um plano, mas dialogando com as ruas de uma cidade caminhável, construída por todos e para todos. Geraldo Sá Nogueira Batista, 1938- , Palmeira dos Índios, Al. Arquiteto, FNA/UB,1963. Mestre em Arquitetura, FAU/UnB-1965. Metodologia e Projetos de Desenvolvimento Urbano, CEMUAN/IBAM,1972. M. Phil., Urban Design & Regional Planning, University of Edinburgh,1974. Manejo de informacion sobre assentamientos humanos, FAU/Universidad Central de Venezuela,1981. CNPq,1978-1991. Docente e ex-Diretor da FAU/UnB, 1963-1991. CODEPLAN, 1989-91. Trabalhou também no SERFHAU, 1972-73 e na Fundação Pró-Memória, 1988-91. Coordenou a elaboração de propostas urbanas para as cidades de Barra do Garças/MT, Inhumas/GO e São Francisco do Sul/SC. Participou de estudos e planos para o GDF: Analise da Estrutura Urbana de Brasília,1977, Plano Estrutural de Organização do território/PEOT,1978 e Plano de Ordenamento do Território/POT,1984. Atuou como consultor do escritório do arquiteto Paulo Zimbres et alii. nos projetos dos bairros de Águas Claras, Noroeste, Taquari e Mangueiral. Vice-Presidente e Presidente do IAB-DF,1966-67.
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